Tática indica tentativa de mediação nos conflitos do Oriente Médio
Em um jogo de compensações diplomáticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou nesta segunda (23/11) a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, para dar apoio ao programa nuclear daquele país e, ao mesmo tempo, defender o direito de "um Estado de Israel seguro e soberano" com quem terão de conviver palestinos e iranianos. A estratégia serviu para exibir a tentativa de o Brasil desempenhar algum tipo de mediação no conflito do Oriente Médio.
Durante sua visita a Brasília, com grande repercussão internacional, Ahmadinejad - que já defendeu a eliminação do Estado de Israel - não fez nenhuma declaração polêmica, como a de negar a existência do Holocausto, e chamou Lula de "bom amigo". Em contrapartida, Lula reconheceu explicitamente o direito de o Irã levar adiante o plano de desenvolvimento de energia nuclear "para fins pacíficos".
A receita, segundo Lula, é esta: "Não proliferação e desarmamento nuclear devem andar juntos." O presidente aconselhou Ahmadinejad a trabalhar com os países interessados em "encontrar uma solução justa e equilibrada para a questão nuclear iraniana". Ele também fez questão de justificar a decisão de apoiar o programa nuclear do Irã. "É simples. Aquilo que defendemos para nós, defendemos para os outros", afirmou Lula, citando o Brasil como exemplo a ser seguido.
Ahmadinejad disse que Lula pode ser "um elo entre o Irã e a América Latina" e que seu país tem sido alvo de "falácias". O iraniano deu apoio à pretensão brasileira de assumir vaga de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Lula disse que "o Irã pode ter um papel decisivo não só (na busca da paz) no Oriente Médio, mas também na Ásia Central". Numa referência a práticas do regime iraniano em episódios recentes, como a reeleição de Ahmadinejad, Lula deixou claro que a política externa brasileira é regida pelo compromisso com a democracia e pelo respeito à diversidade, pela defesa dos direitos humanos, pela liberdade de escolha dos cidadãos e pelo veemente repúdio à intolerância e ao terrorismo.
No encontro com empresários dos dois países, Lula disse que vai ao Irã no próximo ano, em abril ou maio. Informou que levará uma caravana de empresários. "Não existem limites para ampliação de negócios entre os dois países", afirmou.
Ahmadinejad visitou o Congresso, onde fez discurso, defendendo a reforma do Conselho de Segurança da ONU e do Banco Mundial. Segundo ele, não poderá haver paz enquanto não existir justiça. Sem citar os Estados Unidos, acusou os "capitalistas" de serem responsáveis pela crise mundial.
Protestos
Ahmadinejad foi recebido sob protestos dos deputados Marcelo Itagiba (PSDB-RJ), representante da comunidade judaica, e Zenaldo Coutinho (PSDB-PA). Eles usaram apitos e esticaram uma faixa com os dizeres: "Holocausto nunca mais." Itagiba disse que o Brasil não deveria manter relação "com quem faz escárnio com a maior violência do mundo".
Outra crítica partiu do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), em artigo publicado ontem na Folha de S. Paulo. "É desconfortável recebermos no Brasil o chefe de um regime ditatorial e repressivo. Afinal, temos um passado recente de luta contra a ditadura", escreveu. A resposta veio do líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), para quem "parte da oposição está sendo intolerante".
(Por Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro, O Estado de S. Paulo, 24/11/2009)