Cantando e gritando palavras de ordem ligadas ao direito dos quilombolas por suas terras, no norte do Estado, cerca de duzentos negros fecharam a BR 101 e reafirmaram a continuidade na sua luta. A manifestação foi próxima à comunidade de São Domingos, onde a Polícia Militar de Vitória prendeu 28 quilombolas de forma truculenta e condenada pelos representantes de direitos humanos do Estado.
A manifestação foi uma continuidade das manifestações do último dia 20, Dia da Consciência Negra. Ao todo, foram duas horas de paralisação da BR 101 na altura do km 45 com o uso de tocos de eucalipto e pneus. A única tentativa de furar o bloqueio partiu de uma delegada da Polícia Civil, que não teve sucesso ao grupo.
Munida de sua identificação, a delegada exigiu passagem e seu motorista chegou a sair do carro com uma arma em punho, o que não foi capaz de intimidar os negros. Juntos, eles impediram a passagem do carro, que acabou retornando. Mesmo com a interferência da delegada, o movimento seguiu de forma pacífica. A manifestação, que começou as 16h30 da última sexta (20/11), foi acompanhada pela Polícia Rodoviária e pelo Corpo de Bombeiros. Os bombeiros estiveram no local para conter as chamas da barreira feita por pneus e eucalipto na BR.
Durante as duas horas de protesto contra as injustiças vividas pelos negros, como a ocupação ilegal de suas terras e a luta desigual pela retomada, os negros gritavam palavras de ordem. Os negros contaram inclusive com a banda de jongo. “Usando chapéu de palha, procurando a minha sorte, cantando e pedindo a Deus, pra salvar Sapê do Norte. Oiá, oiá. E ele me disse assim, caboclo tem que ser forte. Lutar é sempre cantando pra salvar Sapê do Norte, oiá oiá”, cantavam eles.
Sapé do Norte é a região entre os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado, onde pesquisas feitas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) confirmam a vivência dos negros quilombolas na região. Segundo o estudo, os quilombolas foram forçados a abandonar suas terras no Sapê do Norte, onde existiam centenas de comunidades na década de 70 e hoje restam apenas 37.
Ainda na década de 70, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado: atualmente resistem entre os eucaliptais, canaviais e pastos, cerca de 1,2 mil famílias. E é neste cenário que os negros resistem à presença da ex-Aracruz Celulose e de posseiros ligados ao Movimento Paz no Campo, que tentam criminalizar os quilombolas com o objetivo de enfraquecer o movimento de retomada de terras e, assim, manter a ocupação, explorando as terras tradicionais.
A lei dos quilombolas
Os quilombolas têm direito à propriedade da terra por determinação do artigo 68 da Constituição Federal. E o direito à autoidentificação das comunidades quilombolas é reconhecido pelo Decreto 4.887/03. A recéinstituída Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), fixada pelo Decreto Nº. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, a garante.
O direito à autoidentificação das comunidades quilombolas é garantido, ainda, pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil é signatário da Convenção pelo Decreto Legislativo número 143, de 20 de junho de 2002, promulgado pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004.
A aplicação da legislação brasileira garantirá aos negros a retomada de 50 mil hectares no Espírito Santo. A maior parte do território é ocupada e explorada pela ex-Aracruz Celulose (Fibria). Os territórios são ainda ocupados por empresas que produzem álcool e açúcar e por fazendeiros.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 23/11/2009)