Comparada à análise de uma caixa-preta de avião, a verificação dos registros eletrônicos do sistema que monitora a rede elétrica brasileira seguia, na quinta-feira (19/11), sem uma resposta para a causa do apagão do dia 10. A expectativa do Operador Nacional do Sistema (ONS), a empresa de capital privado responsável por gerenciar a operação da rede e, neste caso, por reportar o que houve, estimava mais um ou dois dias de trabalho para os 70 técnicos envolvidos na pesquisa terem condições de divulgar o laudo definitivo.

Enquanto os especialistas trabalhavam, a oposição esforçava-se para fazer barulho em torno da lentidão na apuração dos fatos e da resistência da base governista em aceitar a convocação da ministra Dilma Rousseff. Na quarta-feira 18, o senador tucano Arthur Virgílio (AM), com o argumento de que o governo se negava a colaborar, chegou a pedir a inclusão de uma fundação esotérica, a Cobra Coral, na lista de vinte convidados a esclarecer o blecaute, provocando constrangimentos mesmo entre os seus pares.

“Partimos para a disputa eleitoral e isso é ruim. Desse jeito o Senado não colabora em nada para esclarecer o assunto. A ministra Dilma não é ministra da área e o que se está discutindo aqui é tática eleitoral”, rebateu o senador Renato Casagrande (PSB-ES), da base aliada.

Entre os especialistas do setor elétrico, as dúvidas eram muitas, ainda que o prazo de conclusão da investigação fosse visto como dentro do esperado. Para as conclusões, portanto, aguarda-se o quadro completo e detalhado do ocorrido nos segundos que precederam a queda de energia que afetou dezoito estados do País e o Paraguai, atingindo mais de 80 milhões de indivíduos.

No relatório preliminar do ONS, presidido por Hermes Chipp, na terça-feira 17, as condições climáticas – ventos fortes e descargas elétricas – verificadas na região próxima à subestação de Itaberá, pertencente à estatal federal Furnas Centrais Elétricas, eram mais uma vez mencionadas como responsáveis pelo desligamento simultâneo das três linhas de corrente alternada e dos dois circuitos de corrente contínua que conectam Itaipu ao Sistema Integrado Nacional (SIN). Uma chance de “três em mil”, como afirmou o diretor-presidente da Itaipu, Jorge Samek.

Pode ter sido um imenso azar. À medida que os dias passaram, contudo, alguns pontos críticos chamaram atenção e terão de ser explicados no relatório final. A começar pela extensão do blecaute, que deveria ter sido “ilhado” em uma área que poderia ser grande, mas não capaz de deixar no escuro metade do território por até cinco horas em algumas localidades.

São vários os sistemas de segurança que falharam ao mesmo tempo, argumentam os especialistas, deixando fora do ar todos os “linhões” que seguem de Itaipu em direção ao sul do estado de São Paulo.

“Por que os esquemas especiais de proteção, instalados no sistema de corrente alternada de Itaipu, que custaram muito dinheiro e já operaram muitas vezes anteriormente, não funcionaram desta vez?”, perguntou a ONG Ilumina, em uma nota publicada no dia 18. “Todas as linhas de transmissão de 750 kV, entre Foz do Iguaçu e Tijuco Preto, possuem um esquema especial de proteção, o religamento rápido automático. Por que eles não funcionaram? Cabe ressaltar que nos 25 anos de atividade do sistema de transmissão de Itaipu este esquema especial de proteção atuou milhares de vezes”, anotou a ONG.

Ex-presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp, a estatal paulista de geração elétrica) e um dos maiores especialistas em energia do País, o físico José Goldemberg considera outro detalhe relevante a ser esclarecido pelas autoridades. “Não está claro por que Itaipu estava gerando a plena carga (12 mil megawatts, o equivalente a 20% da capacidade de geração nacional) às dez da noite, enquanto outras usinas, como as antigas da Cesp, estavam fora do sistema. O razoável é que a carga estivesse melhor distribuída. Nessas condições de sobrecarga, uma pequena perturbação poderia de fato ser produzida por raios e afetar o sistema, que tem, contudo, sistemas de proteção que não funcionaram a não ser para desligar as máquinas de Itaipu”, afirmou Goldemberg, em um artigo publicado no jornal Valor Econômico.

“O mais provável é que tenha havido problemas de gestão administrativa e eletrônica do sistema”, anotou o especialista. Causas semelhantes foram apontadas pelo também físico Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás durante o primeiro mandato de Lula e diretor do centro de pesquisas energéticas -Coppe, da UFRJ. Pinguelli critica a dispersão das autoridades do setor e o poder das empresas privadas de distribuição.

A nota da Ilumina também critica Furnas, que já frequentou o noticiário por ter virado moeda de troca do governo com a base aliada, mais especificamente o PMDB do Rio. “Os três grandes blecautes registrados recentemente (2005, 2007 e o do dia 10) tiveram início em instalações do sistema de transmissão de Furnas. Será mera coincidência?”, pergunta.

(Por Luiz Antonio Cintra, CartaCapital, 20/11/2009)