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BNDES passivos de hidrelétricas passivos da mineração
2009-11-23

“Nós (dos movimentos sociais) temos conversado com o BNDES, mas achamos que deve haver mais avanços. Queremos que o BNDES seja um banco público, de interesse público e popular e o mais democrático possível”. Assim, Luiz Dalla Costa aborda as relações entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e os movimentos sociais, formados por pessoas atingidas por obras financiadas pelo banco.

Em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Rio Grande do Sul abordou os impactos trazidos pelas grandes construções custeadas pelo BNDES, as mudanças ocorridas no banco com a transição de governos e os setores da economia que produzem os impactos mais graves na sociedade.

Sobre as reivindicações das populações impactadas, DallaCosta fala sobre o “Primeiro Encontro Sul-americano de Populações Afetadas por Projetos Financiados pelo BNDES”, que discutirá a transparência nas informações dos financiamentos e as políticas sociais por parte do banco. “Queremos que o banco se coloque como responsável por esses empreendimentos, pois entendemos que ele passa a ser responsável ao ceder os empréstimos dos recursos para as obras. O BNDES tem que se preocupar tanto se esse grande projeto não irá afetar as populações quanto, se afetar, o que deve ser feito e colocado como política de financiamento”, afirma Dalla Costa.

Confira a entrevista.

IHUnisinos – O movimento social tem criticado o BNDES pela formação de uma nova categoria de brasileiros: os “impactados”. O senhor poderia explicar quem são eles e qual é a responsabilidade do banco?
Luiz Dalla Costa
– O BNDES se tornou, nos últimos anos, o principal banco financiador dos grandes projetos no Brasil. E os grandes projetos, como hidrelétricas, mineradoras e rodovias, atingem muitas pessoas. Muitas famílias têm que ser deslocadas em função das construções. Portanto, o banco, na medida em que financia essas obras, passa a ser corresponsável pelo impacto que estas causam na vida das pessoas. Tivemos casos de hidrelétricas que atingiram de duas a três mil famílias, e até mais que isso. Um exemplo: já houve a construção de seis hidrelétricas na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, no Rio Uruguai, e essas hidrelétricas tiveram financiamento de quase seis bilhões de reais por parte do BNDES.

Hoje as famílias que foram afetadas e que moram ao redor dos lagos das Usinas de Itá, Machadinho e Campo Novos não têm nenhum programa de desenvolvimento regional e de recuperação das comunidades por parte do BNDES, e foi o próprio banco que financiou a obra. Por isso que vamos organizar agora um primeiro encontro nacional dos atingidos por esses grandes projetos financiados pelo BNDES. O banco também tem atingidos, tem pessoas que são impactadas por esses projetos financiados. E, inclusive, o BNDES é sócio de vários desses empreendimentos.

No final de novembro, será  realizado, no Rio de Janeiro, o “Primeiro Encontro Sul-americano de Populações Afetadas por Projetos Financiados pelo BNDES”. Virão pessoas de que países? Qual é o objetivo do encontro?
Costa –
Estamos convidando pessoas da Bolívia, Peru e Equador, onde já houve projetos financiados pelo BNDES. Alguns envolveram empresas brasileiras, como a Odebrecht no Equador, e tiveram vários problemas na obra ou porque tem financiamentos através do banco. Também vamos reunir pessoas afetadas de todo o Brasil. Virão representantes de vários empreendimentos financiados na área da cana, e nas questões da pecuária extensiva, das hidrelétricas e da mineração. Reuniremos essas pessoas que sofrem impactos dessas grandes obras ou projetos onde tem investimentos do BNDES, para discutir que políticas o BNDES desenvolve, e quais as que ele não desenvolve, no sentido de qualificar melhor nosso trabalho e nossa crítica.

Até hoje existiram muito poucas informações para a população que é afetada. Nós queremos um maior acesso às informações, chamamos isso de transparência nos financiamentos. Queremos também que o BNDES adote critérios que levem em conta os impactos sociais e ambientais causados pelas obras. Queremos que o banco se coloque como responsável por esses empreendimentos, pois entendemos que ele passa a ser responsável ao ceder os empréstimos dos recursos para as obras. O BNDES tem que se preocupar tanto se esse grande projeto não irá afetar as populações quanto, se afetar, o que deve ser feito e colocado como política de financiamento. Além disso, entendemos que o BNDES também peca por omissão no sentido do que não faz. O banco financia uma grande obra, mas não se preocupa com que a população, afetada por essa grande obra, tenha as informações de forma isenta, e não pelas empresas, porque se for por essas, certamente serão informações tendenciosas.

Entendemos que o BNDES deve auxiliar essas entidades de organização da própria população atingida, entidades que não estão envolvidas com a obra e até fazem críticas a ela, para que as populações sejam devidamente informadas com antecedência sobre os impactos e possam, de forma organizada, reivindicar seus direitos. O BNDES também deve assumir suas responsabilidades se no caso for constatado que houve violação de direitos, como existe de fato. Nós mesmos estamos trabalhando com uma comissão que está investigando violação de direitos humanos na construção de grandes hidrelétricas, e já está constatada essa violação de direitos em obras financiadas pelo BNDES.

Deve-se haver uma maior transparência nas atuais obras, e devem ser discutidos, com os movimentos e com a sociedade civil, novos critérios para futuros financiamentos do banco. É absolutamente justo discutir isso. Tem alguns que são atingidos por barragens, e alguns por outros empreendimentos, porque o dinheiro do BNDES é público, é dinheiro de todo o cidadão brasileiro. Então temos o dever de exigir, e o BNDES tem a obrigação de nos atender. E isso também fora do Brasil, já que existem pessoas afetadas por essas obras em outros países.

Na visão do movimento social, o BNDES está a serviço de que interesses?
Costa –
Hoje os grandes beneficiados pelos financiamentos do BNDES são as grandes empresas. Grande parte delas produz para exportação e não paga imposto, como é o caso dos minérios. A própria energia produzida para a produção de minérios tem um grande aporte de recurso público, e quem ganha na construção, venda de equipamentos, na utilização e venda de energia, são as grandes empresas. Os grandes mineradores recebem subsídio para usar grandes quantidades de energia. Esse minério é extraído como riqueza natural do Brasil, é exportado, e não paga sequer imposto.

Quem é o grande beneficiado em todo esse processo? As grandes empresas nacionais e multinacionais, entre elas a Suez Tractebel, que é uma grande empresa da agroenergia, Odebrecht, que é construtora e está na construção de grandes obras, a Votorantim e a companhia Vale do Rio Doce. Esses são os grandes beneficiados. Inclusive, nos últimos anos, só nesta área da energia, eles cobraram da população brasileira sete bilhões a mais nas contas de luz, e agora dizem que não querem devolver. Se fosse um pobre já estaria preso, mas como são grandes empresários, tem gente que diz que não foi roubo, mas sim um erro. Mas um erro de sete bilhões é algo absurdo.

Muitos dizem que, com o governo Lula, o BNDES recuperou o seu papel estratégico na formulação de um projeto de país, contrário ao governo FHC, que utilizou o banco para financiar as privatizações. Essa interpretação de que o banco estaria a serviço dos interesses do Estado, e não mais apenas do mercado está equivocada?
Costa –
Houve mudanças, sem dúvida. Acho que o governo Fernando Henrique foi o pior que já vi no Brasil, porque vendeu todo o patrimônio público, sucateou grandes setores que eram de primeira linha, vendeu a Vale do Rio Doce, parte do setor elétrico, fez com que o povo brasileiro pagasse por tudo isso. Gerou um caos, o processo de privatização foi a pior coisa feita no Brasil em toda sua história, não temos dúvida disso. O que houve com o governo Lula é que ele passou a ter um outro planejamento, não privatizou aquilo que já existia, mas financiou a entrega do patrimônio.

Isso tem diferença. Antes, em uma obra que já estava feita, o BNDES dava o dinheiro para uma grande empresa comprar o que já era nosso, com o nosso dinheiro, inclusive as próprias estatais eram proibidas de fazer investimentos e pegar dinheiro público do BNDES, e isso foi mudando gradativamente. Hoje o Estado brasileiro participa em obras com até 49% do valor, já o BNDES financia até 80 e 90% dessas grandes obras, mas ainda continua 51%, ou seja, o capital majoritário na mão das grandes empresas.

Toda a lógica que é implantada é a das grandes empresas, de tentar obter o máximo de lucro, que é pago pela população brasileira. O povo brasileiro que paga as taxas, as tarifas, os impostos, para que essa prática continue vigorando. Então, houve mudanças sim, mas entendemos que a lógica não mudou no essencial. Inclusive, dá pra se dizer que, nos últimos anos, o tratamento das questões sociais e ambientais piorou no governo FHC e não foi recuperado ainda pelo governo Lula. Existe de fato uma nova organização do investimento, nós sentimos isso, mas a lógica continua praticamente a mesma.

Quais são os principais setores da economia que o Banco financia que produzem impactos mais graves?
Costa –
É o setor da mineração, das hidrelétricas, o investimento na produção de carne de gado, que vai avançando cada vez mais sobre a floresta amazônica, no setor de cana, de celulose, que vai transformando em deserto verde o que era de bem natural brasileiro, e vai repassando grande quantidade de terras dos rios, minérios, das grandes empresas nacionais e multinacionais. Hoje os setores siderúrgico, mineral e de energia são grandemente beneficiados pelos financiamentos do BNDES.

Qual é a relação do movimento social hoje com o BNDES? Tem ouvido as suas reivindicações?
Costa –
A partir da própria discussão com essa série de organizações que chamamos de plataforma BNDES, que é um conjunto de organizações do movimento social e de entidades não-governamentais, buscamos o diálogo com o banco, para que este tivesse maior transparência, para que houvesse mudança nas políticas, então começamos a ter um contato maior.  A plataforma BNDES já teve contato com o presidente do banco, Luciano Coutinho, já houve algo no sentido da transparência, da divulgação de insights na questão de algumas informações, mas não estão completas e não há contento ainda. Nós mesmos, dos movimentos sociais, já tivemos conversas com o BNDES, onde eles nos apresentaram o que fazem e o que estão prevendo.

Dá pra se dizer que nós achamos que isso é a coisa certa a ser feita, que o banco deve ter essa abertura, tem que ouvir a população que é afetada pelos grandes projetos onde o banco é financiador e temos que buscar novos critérios para financiamentos do banco que favoreçam a maioria do povo brasileiro. Como eu disse, é mais fácil uma grande empresa conseguir um bilhão do BNDES, do que um grupo de agricultores ou pescadores conseguir 50 mil, pois todo o banco está montado para essa lógica do grande empresário, do grande empreendedor e capitalista nacional e multinacional. Nós temos conversado com o BNDES, mas achamos que deve haver mais avanços. Queremos que o BNDES seja um banco público, de interesse público e popular e o mais democrático possível.

Como integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), qual é a sua avaliação sobre o último “apagão”?
Costa –
Primeiro, é importante dizer que não falta produção de energia no Brasil, o país tem energia de sobra, tanto é que, com a crise dos últimos anos, se diminuiu o consumo de energia, e hoje estamos no patamar de consumo que estávamos em 2007. Estamos consumindo menos que em 2008, e outras obras já foram feitas, então temos uma folga de energia muito grande. Não é necessário, para resolver o problema do apagão, fazer mais obras. Pelo contrário, com o que se tem, teremos energia por um bom tempo. Nossa visão com relação ao apagão é que complicações como esta podem ocorrer. Nenhum sistema é infalível. O Brasil tem um bom sistema energético nacional e que se torna mais eficiente se tiver gestão e controle únicos.

Agora, do jeito que os últimos governos têm feito, principalmente com o processo da privatização, também foi privatizado parcelas do setor elétrico. Cada capitalista individual passou a ter um pedaço daquilo que deveria funcionar de forma única e organizada. Hoje alguns são donos de algumas barragens, outros de termoelétricas, outro é dono de um pedaço de linha de transmissão, outro de uma revenda de energia. Este compartilhamento do setor elétrico foi ruim e está aí uma das causas desse apagão.

Hoje se tem mais dificuldades de ter o gerenciamento único, apesar de que o governo Lula até recuperou em certa parte essa organização. E mesmo os órgãos que foram criados, foram feitos para legitimar essa lógica de transformar a energia elétrica em mercadoria. Hoje as grandes empresas ganham rios de dinheiro vendendo energia 400% mais caro do que antes, que era do governo. Houve um aumento extraordinário das tarifas de energia no último período.

Quando a lógica é a do lucro, de transformar a energia em mercadoria e não em bem público necessário para o desenvolvimento do país, esse tipo de problema, como o apagão,  tende a ocorrer de forma mais seguida. Houve três casos recentes. No primeiro caso, houve esta questão da cobrança extraordinária nas tarifas de energia, aí o governo vai lá, e as empresas dizem que não podem devolver. Alguém até disse que poderia ser imoral, mas que era legal. Lógico que é imoral, ficaram com sete bilhões de reais do povo a mais nas empresas. O segundo fato é essa falha que houve e que deixou muita gente às escuras. O terceiro é que o próprio governo reconhece que existe uma dívida.

São três fatos importantes, dívida com o povo que foi atingido, cobrança a mais dos consumidores, e o problema de fornecimento. Ao nosso entendimento, isso não é uma questão pontual, é de como deve ser organizado o atual modelo de produção de energia no Brasil. O governo deveria acabar com as privatizações, ter um grande projeto de economia de energia, de eficiência energética, questionar o modelo de exportação de energia através da exportação de minérios, de celulose etc. que não paga imposto e não gera emprego para nosso povo.

(IHUnisinos, 20/11/2009)


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