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chuvas e inundações
2009-11-23

Agricultores e pescadores, esses ribeirinhos – cerca de 150 famílias – estão ilhados há quatro dias, passando fome e sede a apenas 150 quilômetros de Porto Alegre. A comunidade da Ilha de Santo Antônio, situada na confluência do Rio Camaquã com a Lagoa dos Patos, ficou totalmente isolada quando a chuvarada alagou casas, arrasou plantações, aniquilou o gado e impediu a navegação da única balsa que liga a vila com o continente. As estradas de chão batido que comunicam a ilha com os municípios de Camaquã e Cristal estão submersas. Os moradores estão sem água potável, sem luz, sem comida e só não perderam a esperança porque equipes da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros se revezam levando de helicóptero mantimentos.

Como os helicópteros Esquilo são pequenos, com capacidade para apenas quatro pessoas, os policiais militares que integram a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros não estão retirando os moradores isolados. Voam de Porto Alegre até uma fazenda onde estão estocados víveres não perecíveis, carregam a aeronave e levam os mantimentos até a comunidade. Mas ocorreram duas exceções. O Grupamento Aéreo da BM resgatou na sexta-feira uma mulher grávida que estava em trabalho de parto na Vila da Pacheca, outra comunidade isolada do interior de Camaquã. E ontem foi a vez da agricultora Juliana de Freitas Macarti, 24 anos, ser carregada no helicóptero até o hospital de Camaquã, porque estava com infecção nos rins e sequer conseguia andar.

Mesmo que quisesse, Juliana não teria como sair da Ilha de Santo Antônio pelas próprias forças. Ir da comunidade para qualquer outro lugar habitado por seres humanos equivale a enfrentar uma jornada de duas horas de barco. Se houver barco disponível, porque vários ficaram inutilizados pelo vendaval da última semana. Depois, é necessário prosseguir por terra em estradas semi-inundadas por ribeirões, nas quais é difícil passar sem veículo tracionado nas quatro rodas.

Zero Hora fez o caminho inverso de Juliana e conseguiu chegar à Ilha de Santo Antônio após navegar por duas horas num pequeno barco com motor de popa, conduzido por um experiente lavoureiro da região. No caminho, a equipe de reportagem cruzou com reses e cordeiros mortos pela enxurrada, gado disputando espaço em pé em pequenas ilhas de vegetação – sem espaço para deitar e dormir –, cães famintos nadando próximo a casas inundadas e abandonadas pelos donos, residências alagadas até a altura das janelas.

Poucas casas secas viraram refúgio
Os moradores da ilha, que em épocas de clima ameno é um aprazível local de veraneio para os moradores de Camaquã, estão como Noé após o dilúvio. As poucas casas que sobraram secas viraram refúgio de dezenas de famílias. Nas outras, eletrodomésticos, sofás e roupas de cama apodrecem sob efeito das águas paradas.

– Tô com toda a casa debaixo de água. O pior é a criação, que tá morrendo de fome ou afogada. Tem pato e galinha em cima da cama, sem ter o que comer – descreve Maria Vasconcelos, do alto dos seus 80 anos bem vividos.

A idosa e o filho Agripino, 38 anos, ambos agricultores, estão morando de favor na casa de uma filha de Maria desde quinta-feira. Outros moradores, menos afortunados, não têm parentes a quem recorrer e tiveram de acampar no salão da histórica Igreja de Santo Antônio, que deu nome à ilha. Ali montaram barracas para não ter de dormir com o corpo estendido diretamente no chão.

Não é pouca gente. Dos 600 moradores da ilha, metade teve a casa inundada pelo rio. O salão paroquial virou um oásis. Num fogo de chão montado entre tijolos num canto são preparadas as derradeiras costelas de porco que sobraram nos congeladores desligados pela falta de energia elétrica.

A água para beber vem de um único poço da comunidade, que já está secando, com tanto uso. Para driblar a sede, os moradores fervem a água do Rio Camaquã, mesmo sabendo que isso está longe do ideal.

A grande preocupação dos moradores da Ilha de Santo Antônio e da Vila da Pacheca – a outra comunidade isolada – nem é tanto como sair do isolamento. Até porque eles temem deixar as casas e ser vítimas de saqueadores. O maior problema é como salvar o gado. As vacas, que podem ser vistas nadando ou disputando nacos de grama não apodrecida pelas águas, são a única fonte de renda dessa gente que vive com quase nada e agora perdeu quase todo o pouco que tinha.

(Por Humberto Trezzi, Zero Hora, 23/11/2009)


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