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2009-11-23

Sob pena de ver sua imagem prejudicada no cenário externo, Lula busca nesta segunda (23/11) gesto adicional de Ahmadinejad

O governo Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará hoje o mais intrincado desafio da sua política externa. Ao receber em Brasília o polêmico Mahmoud Ahmadinejad, Lula estará diante da missão de convencer o presidente do Irã a concordar com os termos do acordo de Viena e, com isso, pôr fim à atual controvérsia na área nuclear. Mas, igualmente, Lula se moverá sob o risco de ver sua imagem pessoal e a de seu governo chamuscadas diante da comunidade internacional por sua cortesia.

Para seu encontro com Ahmadinejad, no Itamaraty, Lula tem seu discurso na ponta língua. Orientado pelo Itamaraty, o presidente vai reiterar que o Brasil reconhece o direito de o Irã desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos. Mas recomendará a Teerã investir na reconquista de sua confiança e indicará que, para isso, será preciso fazer um gesto adicional.

O Brasil acompanha com interesse a evolução do caso do Irã na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Em especial, porque teme que a proibição ao enriquecimento de urânio no Irã, defendida pelas potências nucleares, possa vir a se estender ao Brasil no futuro, mesmo com as garantias do fim pacífico do programa brasileiro. Para o Itamaraty, a única saída para o Irã seria cumprir o acordo de Viena, que está nas mãos de um governo iraniano que ainda impõe condições e resiste em assiná-lo.

O acordo dribla completamente a proibição pretendida pelos Estados Unidos, França, Inglaterra, China, Rússia e Alemanha - embora tenha sido negociado por esses mesmos países, sob a mediação da AIEA. Prevê que o Irã possa continuar com o enriquecimento de urânio até o teor de 5%. O produto final seria embarcado para a Rússia, onde seria processado até atingir o teor de 20%. Daí, seguiria para França, onde seria transformado em combustível para a planta nuclear iraniana que fabrica radiofarmacos. Essa fórmula impediria a paralisação da produção desses medicamentos em meados de 2010, quando se esgota a capacidade de produção do Irã.

O acordo impede que o Irã tenha, em casa, urânio enriquecido em altos teores. Como tem pouco urânio em seu território, o país não teria condições de fabricar uma bomba atômica, explicou um técnico do governo. Mas seria também um grande negócio para o Irã, que ganharia o reconhecimento de seu direito de enriquecer urânio, completou o mesmo especialista.

O presidente iraniano, entretanto, antecipou que não se deixará levar facilmente pelo argumento de Lula. Em artigo de sua autoria distribuído pela embaixada do Irã em Brasília, na última sexta-feira, Ahmadinejad afirma que há uma "polêmica injusta dos países ocidentais contra o programa nuclear iraniano" e que espera que seu país e o Brasil se aliem para vencê-la.

O nó que Lula terá de desatar, a partir de hoje, é a desconfiança do governo de Ahmadinejad com relação ao futuro suprimento do combustível nuclear, depois de assinado o acordo. O Brasil está ciente que, ao resolver essa questão, o Irã perderá seu poder de barganha. Em princípio, a possibilidade de aplicação de novas sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas contra o país é considerada nula, por causa do provável veto da China e da Rússia.

De qualquer maneira, o fato de o Brasil atuar como membro não-permanente desse organismo em 2010 e 2011 será tranquilizador para Teerã. Para o governo brasileiro, as três rodadas de sanções já aplicadas não surtiram efeito. Novas medidas, como as que figuravam nas ameaças disparadas pelos Estados Unidos na semana passada, não surtiriam efeito.

A tarefa do Brasil de convencer o Irã a adotar uma atitude mais pró-ativa vem acompanhada da preocupação do governo Lula de não se apresentar como "menino de recados" entre Teerã e Washington. Em julho, em paralelo à reunião de cúpula do G-8, na Itália, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu a Lula para pressionar o Irã a abandonar seu programa nuclear com fins militares. O brasileiro agarrou a missão com as duas mãos.

Naquela ocasião, Ahmadinejad havia adiado sua visita, programada inicialmente para maio, mas deixara registrado seu interesse de vir ao Brasil ainda em 2009 e de receber Lula em Teerã no ano seguinte. O sucesso dessa empreitada significará, para o Itamaraty, uma vitória da diplomacia de persuasão de Lula em seu último ano de mandato. As dificuldades terão de ser vencidas dentro dos territórios dos EUA e do Irã, onde as resistências a concessões e a acordos estão solidificadas.

Ahmadinejad desembarca nesta manhã em Brasília para uma visita de apenas um dia, acompanhado por um séquito de 130 funcionários e de 150 empresários. Não viajará a outros pontos do País e, em princípio, deverá respeitar a recomendação do governo brasileiro de não repetir declarações que não tenham o consenso do Brasil - como a de que o Holocausto não existiu e a de que Israel deveria ser varrido do mapa. Além dos encontros com Lula e autoridades, o iraniano deverá dar uma palestra em uma universidade e uma entrevista à imprensa. Partirá na terça.

(Por Denise Chrispim Marin, O Estado de S. Paulo, 23/11/2009)


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