Ainda há muito por que lutar, aumentar o nível de indignação e desenvolver uma visão oposta à vigente, como foi dito no evento, “compartimentada”. Esta nova visão precisa ser integral, de modo que os prefixos em economia e ecologia não representem apenas uma coisa em comum entre os dois conceitos.
A conclusão que abriu esta reportagem saiu do quinto e último debate ocorrido nesta terça-feira, 17, durante o Ciclo realizado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - Seção Rio Grande do Sul, Abes-RS, na Fundação Getúlio Vargas, evento confirmado para se repetir em 2010. O palestrante foi o médico veterinário Althen Teixeira Filho, professor PHD em Anatomia Humana e que realiza um estudo na Pró-Reitoria de Extensão da UFPel sobre Impactos das monoculturas Arbóreas no RS.
A partir da proposta temática Os rumos da silvicultura no Rio Grande do Sul perante a crise, ele fez uma série de esclarecimentos acerca das informações divulgadas pelas empresas papeleiras e a mídia quanto a determinados aspectos do negócio da silvicultura, objetivando o que chamou de “imposição de consenso”. A seguir, alguns tópicos mencionados pelo especialista:
- Geração de empregos: O professor Althen investigou os números divulgados por uma das empresas papeleiras que estão invadindo a Metade Sul do Estado referentes à geração de empregos e encontrou a proposta de gerar um emprego e meio a cada mil hectares cultivados com lavoura de árvores exóticas. Ele ressaltou a importância de mais duas informações: a de que nem sempre os trabalhadores são do município onde ocorrem os cultivos e a divulgação pelo Ministério do Trabalho de que houve libertação de trabalhadores em condições de escravidão, ainda que estes tenham sido contratados por empresas terceirizadas. Citou dados do Censo Agropecuário do Uruguai – país cujos recursos naturais estão sendo dramaticamente escasseados a partir do cultivo de árvores exóticas – segundo os quais uma lavoura de eucaliptos, por exemplo, gera o equivalente a 4,49 empregos por mil hectares, enquanto a agricultura familiar gera, para a mesma área em hectares, 262 postos de trabalho.
- Pagamento de impostos: O palestrante chamou a atenção para a isenção de impostos, como o ICMS, que as empresas exportadoras recebem dos governos. Ao contrário de um trabalhador que tem carteira assinada e é obrigado, por lei, a pagar ao Estado o equivalente a até cinco meses trabalhados por ano. Além deste “incentivo”, muitas vezes cedido a estrangeiros, como é o caso de determinadas empresas papeleiras, o professor Althen destaca o diferenciado tratamento que recebem ao poder contar com recursos do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, instituição que deveria priorizar o atendimento dos trabalhadores, principalmente em se tratando de recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
- Impactos ambientais: Tendo viajado ao interior do Estado, onde estão sendo implantadas lavouras de eucaliptos e pinus, ele apresentou aos participantes do evento imagens de pessoas que vieram de municípios distantes para fazer aplicação de veneno, dentre outras tarefas, não utilizando, portanto, a mão-de-obra local. A formiga é combatida no início do cultivo, e em torno das áreas visitadas foi constatada a morte de animais silvestres, como tatus, provavelmente contaminados pelo veneno aplicado.
De outros estados do País, como o Espírito Santo, mostrou imagens de comunidades indígenas recebendo o caminhão-pipa de água, porque suas fontes secaram após anos de cultivo de lavouras de eucaliptos e outras árvores exóticas. O professor Althen acredita que já há estudos que comprovam, consistentemente, a escassez dos recursos hídricos em áreas cultivadas por estas árvores. Por isso, citou estudos feitos pelo Professor Ludwig Buckup, da UFRGS e ONG Igré, e rebateu as comparações feitas pelas empresas. “Comparam o eucalipto com uma árvore da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica (em relação ao consumo de água), para dizer que se pode plantar aqui no Rio Grande do Sul – uma região que não tem nenhuma destas árvores, apenas no Norte do Estado ainda há resquícios de Mata Atlântica. Não é possível comparar com uma árvore que tem ‘um oceano de distância’ (original da Austrália) para dizer que se pode plantar aqui”, argumentou. Sobre a fauna, destacou informações dos próprios EIA’s de empresas segundo os quais há risco de extinção de aves, dentre outros animais.
- Impactos na paisagem: A principal alteração é a descaracterização do Bioma Pampa ou Campos Sulinos, cujo valor não é reconhecido, por ser visto como uma capoeira com inço. Visão equivocada, pois se trata de um Bioma, com características próprias, como a estimada presença de pelo menos 3 mil plantas vasculares, com 450 espécies de gramíneas e 150 de leguminosas, além de 385 aves e 90 mamíferos, sendo que muitas destas são endêmicas, ou seja, só ocorrem neste ecossistema (PICOLI E VILLANOVA, 2007).
As fotografias apresentadas pelo Professor Althen revelam, em São Sepé, o desmatamento da vegetação ciliar e invasão de pinus às margens de corpos d’água, até a beira de propriedades vizinhas, onde se planta aveia e outras culturas alimentares. Em Canguçu, as imagens revelam os tocos e galhos deixados para trás que, passados dois anos, ainda não se degradaram e estão longe de virar composto orgânico. Outra alteração radical na paisagem é a expulsão do homem do campo que antes trabalhava com a pecuária, o gaúcho. Segundo o professor Althen, estas pessoas estão migrando para a cidade e ampliando a periferia. Quem ficou no interior esvaziado, se encontra cercado pelos maciços das árvores exóticas
Ausência de política agrária
A principal solução apontada pelo biólogo e consultor ambiental Rogério Both, a mestre em Ciências Biológicas e ativista da ONG InGá Maria Carmem Sestren Bastos e pelo geólogo Vitório Orlandi é a necessidade de uma política agrária no Rio Grande do Sul. “Não temos um zoneamento ecológico econômico. Foi feito um para a silvicultura, a fim de atender uma demanda específica, mas deveria haver um planejamento de médio e longo prazo, escolhendo áreas para produção e áreas para conservação dos recursos naturais”, enfatizou Both, preocupado com a herança que esta geração vai deixar aos seus descendentes.
Neste sentido, o Professor Althen lembrou o trabalho do professor Paulo Brack, que divulga os usos da flora nativa para alimentação e medicação, por exemplo, informações estas desconhecidas da maioria. “Muitos querem deixar de plantar fumo, mas não têm alternativa. É preciso diversificar a produção.”, disse, considerando a importância do respeito à vocação agrícola e característica do lugar.
Técnicos-científicos
Orlandi acredita que não há conhecimento científico e estratégico sobre como usufruir áreas. Como exemplo, citou o Zoneamento Ambiental da Silvicultura, que foi feito após a chegada das papeleiras ao Estado. Para ele, há uma “visão compartimentada” que não leva em conta os potenciais e os limites dos territórios antes de serem entregues as propostas dos empreendedores. Comparou a importância desta medida com uma investigação médica, que conhece todos os detalhes do funcionamento de um organismo antes de efetuar qualquer intervenção.
Este fato é agravado, disse Both, pela falta de autonomia e valorização do trabalho dos técnicos-científicos que realizam estudos de impactos. O que acaba predominando, segundo ele, é a decisão política, que na maioria das vezes não considera as adequadas possibilidades de usos dos recursos naturais e os meios para a sua conservação. Daí também, destaca o biólogo, a importância de ser centralizado o licenciamento ambiental, mantendo os técnicos da Fepam, por exemplo, preservados de pressões que fatalmente ocorrem em um órgão local.
Financiamento
Neste sentido, estas “decisões políticas” poderiam ser inibidas por uma mudança no formato atual do financiamento das campanhas eleitorais, de modo a tornar independentes os políticos eleitos de seus empresários-financiadores. Maria Carmem sugeriu que se pensasse na possibilidade de se proibir o financiamento por parte de empresas. Em 2009 foi intensa a discussão em nível nacional sobre a possibilidade de financiamento público das campanhas, mas até agora não houve mudança na legislação. Enquanto isso, para o professor Althen, o que pode fazer diferença é a mobilização cidadã, ficando atenta à atuação dos políticos financiados pelo setor privado.
(Por Eliege Fante, EcoAgência, 19/11/2009)