Pesquisadores que se reuniram nesta segunda (16/11) em um debate sobre integração regional e diversidade sócio-cultural na Amazônia, criticaram a ideia do governo federal de promover a ligação entre países amazônicos por meio de obras de infraestrutura. A discussão foi parte do encontro "Amazônia: Desafios e Perspectivas da Integração Regional", realizado no Memorial da América Latina, em São Paulo.
Para Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), o problema é que não se busca para a Amazônia um desenvolvimento baseado no reconhecimento cultural, natural e político da região. "As políticas públicas de integração do Brasil a outros países amazônicos deveriam levar em conta os indígenas e extrativistas que estão dos dois lados da fronteira, mas os projetos de infraestrutura na região não atendem a isso".
Segundo a ambientalista, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que em muitos pontos coincide com a Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), só tem como motivos a demanda brasileira por novos mercados e a facilitação da exportação, preocupações que não têm relação com a sustentabilidade.
A geógrafa e historiadora Bertha Becker, também presente no evento, concordou. "Os interesses na integração da Amazônia são apenas econômicos, como demonstram os projetos da IIRSA na região, que pretendem reduzir barreiras econômicas e estimular a produtividade. Essa integração deveria ir além, sendo também cultural, social e política", disse.
De acordo com a pesquisadora, os países amazônicos deveriam ter como base de sua integração o passado comum, embora não homogêneo, baseado na existência de povos indígenas e numa economia de fronteira móvel, que incorporou terras e recursos para exportação de matérias-primas, sem agregar valor a esses produtos.
"A história tem um peso forte na trajetória socioeconômica dos países, especialmente quando o quadro institucional não favorece a mobilidade social e a inovação. Temos que romper com as desigualdades históricas, com inclusão social baseada numa integração que respeite as diferenças", explicou.
Segundo Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), ao invés de pensar numa integração energética e baseada na construção de estradas, o Brasil deveria se unir aos outros países amazônicos com os seguintes objetivos: "manter 80% de seus bosques preservados, valorizar a cultura das populações tradicionais, que têm o papel de guardiões da floresta, e desenvolver uma economia do século XXI, que dê conta da exuberância e da importância da Amazônia".
Estradas
Adriana também criticou a recuperação de estradas federais da Amazônia, previstas como prioridades do PAC. "O objetivo da pavimentação da BR-163- de Cuiabá (MT) a Santarém (PA)- é escoar a soja matogrossense pelo porto de Santarém, desconsiderando qualquer demanda social. Não houve qualquer preocupação com o modo como a obra seria executada sem reproduzir o desmatamento que historicamente acompanha as estradas", afirmou.
A representante do ISA também citou o projeto de reativar a BR-319, estrada que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), dizendo que a obra não é viável dos pontos de vista econômico e social, e tem como maior motivação um interesse eleitoreiro do Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. O ministro já manifestou interesse em se candidatar ao governo do Amazonas.
Para concretizar a integração regional na Amazônia, Bertha sugere alternativas às estradas - geralmente associadas ao aumento do desmatamento -, como vias aéreas e fluviais.
Hidrelétrica de Belo Monte
Com relação ao projeto hidrelétrico de Belo Monte, a partir do aproveitamento do rio Xingu (PA), Adriana Ramos diz que a usina não tem perspectiva de fornecer energia à população local, e que os 20% da hidroeletricidade prometidos à região pela governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, são suficientes apenas para abastecer a mineradora Alcoa.
"Num projeto antigo como esse, ainda não foram capaz de fazer investimentos sociais prévios na cidade de Altamira (PA), que receberá um contingente de 70 mil pessoas com a realização da obra. Se isso é desenvolvimento, sou contra", destacou. Adriana acrescentou que os empreendedores responsáveis por tais projetos se empenham em minimizar o conhecimento técnico-científico da população sobre como as obras serão executadas.
Para Bertha, o maior problema é a expectativa de exportação da energia a ser gerada por Belo Monte. "A construção de hidrelétricas na Amazônia deve prever que parte da energia seja aproveitada pela população da região".
A representante do Instituto del Bién Común, do Peru, Margarita Benavides, que também participou do debate, referendou as críticas a uma integração regional baseada apenas em obras de infraestrutura. "Os atuais projetos para prover eletricidade a cidades brasileiras vão causar impactos à população do Peru", afirmou.
De acordo com ela, o maior desafio é conquistar desenvolvimento e benefícios aos povos da floresta, com base no uso dos bosques, a partir de tecnologia e mercado favoráveis a isso. "O problema da Amazônia não é só ausência de Estado, mas o caráter do Estado, que não se preocupa em manter seus recursos e a população tradicional em longo prazo. Os governos seguem muito os interesses das empresas, construtoras e petroleiras. Mas, e os interesses nacional, regional e da população afetada?", questionou.
(Por Fabíola Munhoz, Amazonia.org.br, 17/11/2009)