Uma audiência entre o deputado Paulo Roberto (PMN) e o governador do Estado, Paulo Hartung (PMDB), irá discutir a desapropriação de 1.247 hectares de terras em São Mateus, para a sua titulação como terra tradicionalmente quilombola. Ocupada em grande parte por fazendeiros, a pressão se dá agora em cima dos deputados que estão lutando contra o reconhecimento da região. Na última semana, foi o deputado Freitas (PSB) quem se mobilizou contra o reconhecimento de terras quilombolas.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu as terras das comunidades de Serraria e São Cristóvão, em São Mateus, como tradicionalmente quilombolas há cerca de duas semanas, gerando reações dos deputados. Segundo Freitas, “o Incra considerou quase todo o território do município de São Mateus para a demarcação de terras quilombolas”. Além dele, também contestou a titulação das terras quilombolas o deputado Atayde Armani (DEM).
Os deputados contestam a interpretação do decreto 4.887/2003, que regulamenta identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas. E que, também, determina a retirada das famílias da área no prazo máximo de 90 dias, abrangendo, inclusive, os proprietários que possuem documentação.
Entretanto, alertam os negros, as terras quilombolas foram ocupadas de forma ilegal e este processo se estendeu aos atuais proprietários, que possuem conhecimento sobre a causa e não serão retirados de “suas propriedades” sem a devida indenização baseada no valor de mercado atual. Além disso, ressaltam, a pressão feita pelos chamados “fazendeiros” é na verdade a representação do Movimento Paz no Campo, conhecido na região por aliar os interesses do latifúndio monocultor de ruralistas às grandes corporações, como a própria ex-Aracruz Celulose (Fibria).
Na região o MPC tem buscado formas de minar a implementação da lei, através, sobretudo, de lobbies nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, notadamente sobre os órgãos públicos responsáveis pelas políticas e direitos territoriais das comunidades quilombolas, conforme já foi denunciado em nota pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde-ES.
Segundo a organização, ao todo 38 comunidades quilombolas vivem em uma região reconhecida como Sapê do Norte, que abrange os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado. Na região, tomada por eucaliptais, estas comunidades resistem ilhadas buscando recuperar a posse de suas terras, atualmente ocupadas por grandes latifundiários e pela transnacional Fibria que ocupou a região em 1970, gerando impactos ambientais, culturais e econômicos.
Contra eles, afirma a Rede, estão representantes sindicais e partidários que ocupam cargos em instituições federais, estaduais e municipais, gerando tensão, violência e racismo provenientes de setores conservadores do campo, como o Movimento Paz no Campo (MPC).
Na prática, os órgãos públicos deveriam avaliar e regular a posse de terras, promover e fomentar a produção agrícola familiar diversificada, bem como cuidar de auxiliar as comunidades no que diz respeito à preservação ambiental, mas nada disso vem sendo feito, segundo os próprios quilombolas.
As terras das comunidades de Serraria e São Cristóvão, por exemplo, foram reconhecidas oficialmente no último dia 6, após estudos que comprovaram a ocupação ilegal de terras quilombolas na região. Com o reconhecimento, 45 famílias tiveram seu direito à terra reconhecido e poderiam viver e produzir na região, garantindo assim a sua sustentabilidade em 1.129 hectares de terras.
As famílias foram cadastradas durante a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) para levantamento do território daquela comunidade quilombola. O estudo levantou a legitimidade dos direitos quilombolas e ainda a forma como as terras foram ocupadas.
Ainda assim, pesa sobre os quilombolas a constante ameaça de posseiros e grandes produtores, como a própria ex-Aracruz Celulose, que ocupa cerca de 50 hectares de suas terras. O MPC, por exemplo, já foi denunciado por ameaçar de morte os quilombolas e funcionários do Incra e de coagir esta população com apoio da segurança armada da ex-Aracruz Celulose.
O MPC é acusado ainda de invadir uma reunião entre a Comissão Especial de Monitoramento das Violações do Direito Humano e à Alimentação Adequada, como uma forma de intimidar a comunidade. A comissão estava no local para atestar o risco de vida sofrido pela população local. O deputado Paulo Roberto foi procurado para informar a data da audiência, mas até o fechamento desta edição nada informou.
Titulação
Neste ano, esta foi a segunda portaria publicada reconhecendo o direito dos negros descendentes de quilombolas no Estado. Em agosto, a área de Retiro (519 hectares) havia sido reconhecida em prol de 77 famílias. A partir do momento em que as terras são devolvidas aos negros, sua titulação é coletiva e inalienável. Após o reconhecimento do Incra, o processo é ainda enviado à Casa Civil da presidência da República para a edição do decreto presidencial de desapropriação por interesse social da área, possibilitando o início das vistorias de avaliação dos imóveis.
Além da portaria para titular as comunidade de Serraria e São Cristóvão, os negros aguardam ainda o reconhecimento das comunidades de São Domingos, Angelim I e São Jorge. Segundo os quilombolas, há mais de um ano os estudos nas comunidades de São Domingos, Angelim I e São Jorge são aguardados.
Os quilombolas têm direito à propriedade da terra por determinação do artigo 68 da Constituição Federal. E o direito à autoidentificação das comunidades quilombolas é reconhecido apenas pelo Decreto 4.887/03. A recém-instituída Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), fixada pelo Decreto Nº. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.
O direito à autoidentificação das comunidades quilombolas é garantido, ainda, pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil é signatário da Convenção pelo Decreto Legislativo 143, de 20 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 16/11/2009)