“Um milhão de dólares?” A pergunta foi feita com olhos arregalados e uma voz incrédula. Quem a fez foi Antonio Waldez Goes da Silva, governador do Estado brasileiro do Amapá, que tem o maior parque nacional do mundo. Eu tinha acabado de contar a ele sobre um artigo que foi publicado recentemente no “The Hill”, jornal do Congresso, informando que o custo total para manter um soldado norte-americano no Afeganistão por um ano era de um milhão de dólares.
Eu perguntei ao governador: e se nós tirássemos apenas um soldado do Afeganistão e lhe entregássemos esse dinheiro? O que você compraria? Waldez Goes ficou meio perturbado e disse: “se você tirasse três soldados do Afeganistão, seria o suficiente para eu manter a Universidade Estadual do Amapá por um ano, então 1.400 estudantes poderiam fazer cursos diferentes sobre desenvolvimento sustentável na Amazônia”.
Certo, eu sei. Seria um pouco errado pegar o orçamento de uma guerra e propor que ele não fosse gasto com o combate, mas em escolas e parques. E realmente temos inimigos reais. Algumas guerras devem ser lutadas, não importa o quanto custem. Mas esse tipo de comparação ainda nos faz lembrar de que nosso debate sobre o Afeganistão não é vazio. Temos que discutir o tema e também há outros projetos atuais igualmente importantes que demandam fundos, como meu colega Nick Kristof apontou ao se referir ao sistema de saúde.
Bem, se os EUA irão assumir o fardo simples de ajudar a Ásia Central, digamos que a China pudesse pegar uma parte da responsabilidade de salvar o que restou da Amazônia e das outras grandes florestas tropicais do mundo. Será que o presidente Barack Obama poderia propor essa ideia em Pequim?
Um grupo de trabalho intergovernamental pela salvação das florestas tropicais estima que com cerca de US$ 30 bilhões poderíamos reduzir 25% do desmatamento em lugares como Brasil, Indonésia e Congo até 2015. Depois disso, o financiamento do mercado de carbono global e os próprios recursos dos países poderiam salvar a maior parte do resto. A China agora tem US$ 2,2 trilhões em reserva. Então, Pequim? Por que você não toma uma atitude e fornece alguns bens públicos para o mundo pelo menos uma vez – e não porque haveria um benefício direto, mas sim por que isso tornaria o mundo um lugar melhor para todos?
Claro, os EUA ainda liderariam os esforços. Mas os dias da China como poluente deveriam acabar. Ela deveria pagar pelo seu quinhão – e mais um pouco – já que se beneficia de cada parte dele tanto quanto os EUA, Europa e Japão. De fato, a Fundação da ONU estima que, como as florestas tropicais representam um grande estoque de carbono – liberado ao se derrubar árvores –, se apenas parássemos o desmatamento, atingiríamos uma boa parte da redução de emissões de carbono prevista para ser obtida até 2020.
“E os países em desenvolvimento ricos em florestas, como o Brasil, já estão prontos para fazer sua parte porque dependem da água fornecida pelas florestas para a agricultura e da geração de energia, e porque eles veem um novo modelo de crescimento com base no capital natural”, disse Glenn Prickett, vice-presidente sênior da Preservação Internacional, que me acompanha nesta viagem pelo país. “O Brasil desenvolveu suas vontades científicas e políticas, e regras básicas e instituições para a preservação de suas florestas. No entanto, o que falta para o Brasil e outros países com florestas tropicais como a Indonésia são fundos para alavancar esse novo modelo econômico”.
Eu fiquei impressionado com a quantidade de bases de construção para um “capitalismo natural” que Waldez Goes – cujo Estado se situa na entrada da Amazônia – está colocando em prática para tornar possível uma economia com base na preservação da floresta tropical ao invés do desmatamento da mesma. Ele está criando áreas florestais protegidas, melhorando a produtividade das terras que já foram desmatadas para que os fazendeiros não precisem de ainda mais, e estabelecendo direitos de propriedade para as terras da Amazônia, que são uma bagunça jurídica, abrangendo as terras oeste e se livrando de investidores em agricultura sustentável.
Waldez Goes já protege 75% da floresta tropical de seu Estado. Ele já promulgou leis e criou um colégio técnico voltado para o ensino do corte de árvores de maneira sustentável, ecoturismo, desenvolvimento medicinal e produtos cosméticos provenientes de plantas das florestas tropicais. Mas ele precisa de fundos para implementar e monitorar esse projeto em escala, para então provar que “o capitalismo natural” pode fornecer mais do que sua versão extrativista.
“Eu sou filho de um seringueiro”, explica. “Nasci e fui criado na mata, então mesmo antes de me tornar político eu tinha uma grande ligação com a natureza”. O mundo está seguindo este “caminho implacável de um desenvolvimento que gera poluição, degradação e desmatamento”. Ele e outros brasileiros querem provar que é possível fazer ainda melhor ao se unir “a preservação ao desenvolvimento”.
As florestas tropicais representam cerca de 5% da superfície da Terra, mas abriga 50% das espécies de vida. A Preservação Internacional tem um mote: “o que é perdido lá fora, é sentido aqui dentro”. Se perdermos o que resta da Amazônia, todos sentiremos os efeitos climáticos, a mudança nas chuvas e a perda da biodiversidade que enriquece nosso mundo. O Brasil parece pronto para fazer sua parte. Mas e nós? E a China?
(Por Thomas Friedman, The New York Times / Último Segundo, 16/11/2009)