Execução orçamentária lenta explica atrasos em projetos dos Transportes e das Cidades. Levantamento da Folha sobre obras das duas pastas mostra que, até setembro, o governo liberou menos de um quinto da verba prevista
Alvo preferencial das críticas do governo Lula quanto à paralisação de obras federais, a atuação do TCU (Tribunal de Contas da União) afeta uma proporção pequena das ações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) com baixa taxa de execução neste ano. Levantamento feito pela Folha identificou, nos ministérios dos Transportes e das Cidades, 232 projetos classificados como prioritários que, até setembro, haviam recebido menos de um quinto das verbas previstas no Orçamento deste ano. Trata-se de 40% dos projetos do PAC nas duas pastas, ou um terço do total do programa bancado com dinheiro do Tesouro.
Dessas obras com pouco ou nenhum desembolso de recursos da União, somente nove -4% do total- estão sujeitas a algum tipo de restrição do TCU, segundo cruzamento realizado com informações prestadas pelo tribunal.
São cinco ações postas sob suspeita pelo TCU nos Transportes e quatro nas Cidades, que somam R$ 612,5 milhões na lei orçamentária deste ano, ou 3% dos quase R$ 22 bilhões disponíveis para o PAC nesses ministérios, os líderes em investimentos na Esplanada.
A maior delas é a construção da ferrovia Norte-Sul (TO), para a qual há reservados R$ 454 milhões -R$ 75,3 milhões já pagos. O TCU encontrou sinais de sobrepreço em cinco contratos do projeto, incluído no índice de obras com indícios de irregularidades graves que acompanha o Orçamento.
Burocracia
Baixas taxas de execução são o sintoma mais visível de atraso em um investimento, embora, em alguns exemplos, o cronograma da obra possa concentrar quase todos os pagamentos no final do ano. Na maior parte das vezes, são os mesmos projetos que se arrastam desde orçamentos passados, com ou sem obstáculos legais.
É o caso do porto fluvial de São Gabriel da Cachoeira (AM), no alto rio Negro, prometido em setembro pelo ministro Alfredo Nascimento (Transportes) a partir de uma parceria com o governo estadual. A mesma promessa havia sido feita dois anos antes pelo ministro, ao lado de Lula e comitiva.
O projeto, de fato, ganhou ares de prioridade. Foi incluído no então recém-lançado PAC e mereceu R$ 2,4 milhões no Orçamento do ano seguinte e R$ 5,7 milhões neste ano -sem ter recebido nenhum centavo até o momento. Na visita de 2007 a São Gabriel, Lula apresentou uma descrição mais prosaica do atraso em investimentos. "É preciso a gente ficar esperto", disse, "porque muitas vezes eu estou aqui anunciando, mas daqui a três meses eu pergunto, e a obra não saiu; daqui a quatro meses eu pergunto, e a obra não saiu; daqui a dez meses eu pergunto, e a obra não saiu". No mesmo discurso, o presidente também declarou já saber "onde está a burocracia que emperra as coisas".
Nos meses seguintes, antes do confronto com o TCU, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), gerente do PAC e provável candidata do PT ao Planalto, entraria em atrito com a área ambiental -sob queixas de atraso nos licenciamentos para obras, a ministra Marina Silva deixou o governo e se tornou outra postulante à sucessão.
Outros empecilhos, mesmo mais numerosos, não permitem um ataque tão particular. Uma pesquisa passada à Folha pela AGU (Advocacia Geral da União) diz que, de 4.419 ações judiciais relativas ao PAC propostas até outubro, 2.048 diziam respeito a desapropriações de terras.
Só as obras de restauração e duplicação da BR-101 em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul resultaram em 460 ações. Procurado, o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) também citou as desapropriações como motivo do atraso da duplicação da BR-040 em Minas Gerais.
Em outros três exemplos, citados espontaneamente, o órgão mencionou exigências de estudos de impacto ambiental na BR-319 (AM), questões indígenas em torno da BR-429 (RO) e, no caso da BR-135, preocupações do Ministério da Cultura com a preservação de cavernas na Bahia. Na semana passada, o cruzamento da lista com as informações do TCU foi passado à Casa Civil e ao Ministério do Planejamento. As pastas, assim como o Ministério das Cidades, não comentaram os dados.
(Por Gustavo Patu e Humberto Medina, Folha de S. Paulo, 16/11/2009)