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hidrelétrica de belo monte rio xingu impactos de hidrelétricas
2009-11-16

O cacique José Carlos Arara, de 30 anos, cresceu sob a sombra da Hidrelétrica de Belo Monte e os riscos que a usina traria para a sua aldeia. Viu de perto a revolta da índia Tuíra, que empunhou, em 1989, um facão contra José Antônio Muniz Lopes, o então presidente da Eletronorte, responsável pelos estudos da usina. Durante todo esse tempo, nunca acreditou que o projeto teria força para sair do papel. Mas hoje está assustado com os rumos que a usina está tomando.

"Não imaginávamos que Belo Monte chegaria a esse ponto. Se o governo não visse apenas o lado financeiro, olhasse a necessidade e o nosso modo de vida, caçaria outro lugar para fazer essa usina", afirma o chefe da tribo, formada por 70 pessoas, que vive às margens do Rio Xingu. Como fica abaixo da barragem, a aldeia está livre de qualquer inundação.

Por lá, no entanto, o problema é outro: o risco do rio secar por causa do desvio de água para os dois canais que formarão o reservatório da hidrelétrica. "O rio é a nossa única saída para a cidade. No verão, quando a vazão diminui, já temos enorme dificuldade para navegar. Imagine se a água diminuir mais. Ficaremos ilhados", diz o cacique José Carlos.

De Altamira até a tribo Arara, são quase quatro horas de viagem, se o barco for moderno. Numa "rabetinha", como chamam os barcos com motor mais fraco, a viagem pode chegar a seis ou oito horas. A bordo de uma voadeira, a reportagem do Estado acompanhou as dificuldades dos índios e ribeirinhos que vivem às margens do Xingu. Durante os primeiros quilômetros, a viagem é tranquila, uma grande oportunidade para apreciar uma bela paisagem.

Mas, aos poucos, o Xingu mostra a sua cara, com obstáculos que colocam em risco a vida dos passageiros. Alguns trechos do rio são formados por pedras, cachoeiras e bancos de areia. Para atravessar, só um exímio conhecedor das curvas do Xingu, como o barqueiro Paulo Cavalcante, que há mais de 15 anos navega pelo rio. Tudo isso acaba alongando o tempo de percurso.

Depois de duas horas e meia de viagem, a reportagem chega à Ilha da Ressaca, um vilarejo que pertence ao município de Senador José Porfírio. Na vila, é difícil encontrar alguém favorável à construção da hidrelétrica. Até a pequena Amanda Gabriele, de quatro anos, tem na ponta da língua sua posição quanto à construção da usina: "Sou contra Belo Monte", dispara ela, se antecipando a uma pergunta feita à mãe Francisca Gonzaga, de 34 anos, uma maranhense, dona de um mercadinho na Ilha da Ressaca.

"Temos medo que a redução da água do rio traga doenças e violência para a região", destaca ela, que reclama da falta de informação por parte do governo em relação aos impactos da usina. "Só perguntam se a gente é a favor ou contra a usina. Não ouvem nossos argumentos nem nossas preocupações." A mesma reclamação tem a professora Rosinele Braga, de 41 anos, natural de Óbidos, outra cidade do interior do Pará.

Está na Ilha da Ressaca desde 1987, quando o marido decidiu arriscar a sorte no garimpo - a vila tem, pelo menos, três garimpos. A professora teme que a construção da usina atraia ainda mais gente para a comunidade, que tem pouca ou quase nenhuma infraestrutura. O posto de saúde funciona todos os dias, mas só há médicos aos sábados. Policiais só aparecem por lá uma vez por mês, segundo os moradores.

Da Ilha da Ressaca até a tribo dos Arara é mais uma hora e meia de viagem, num trecho do rio considerado o mais irregular, às vezes com águas rasas, às vezes com corredeiras. Ao longe, avistamos o jovem Arara Josinei, de 22 anos, atravessando o rio. Meio ressabiado, ele autoriza o desembarque da reportagem e mandou falar direto com o cacique.

Mais tarde, sentado embaixo de uma mangueira, ele contou, indignado, que participou de duas audiências públicas, em Altamira, sobre a construção da usina. "Mas eles não explicam direito as consequências que a hidrelétrica trará pra a região." Josinei afirma que, apesar das influências dos "brancos", a tribo tenta manter os costumes dos ancestrais. "Da cidade, comemos apenas macarrão. O resto nós produzimos, caçamos ou pescamos."

Na aldeia, eles fazem farinha para consumo próprio ou para venda. O mesmo ocorre com os peixes. Todos os dias, um barco da cidade vai até a tribo para pegar as mercadorias. "Às vezes, recebemos o dinheiro, às vezes trocamos por outras coisas que precisamos", diz Josinei, cujo maior sonho é conhecer o Pantanal.

(Por Renée Pereira, O Estado de S. Paulo / IHUnisinos, 15/11/2009)


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