Para lutar contra a fome no mundo, o setor privado foi chamado a contribuir, mas as ONGs denunciam uma ofensiva das multinacionais e temem que elas imponham um modelo de agricultura intensiva aos países do Sul.
A constatação da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) deixa claro: a produção agrícola vai ter de aumentar em 70% daqui a 2050 para alimentar 9 bilhões de indivíduos.
E o setor privado é um parceiro chave para enfrentar este problema, não somente em termos de investimentos, mas também de experiência, indicou quinta-feira Jacques Diouf, diretor geral da FAO, em Fórum que reuniu empresas em Milão, antes da Cúpula da FAO, que será inaugurada segunda-feira em Roma.
"Podemos levar nossa experência", confirmou Peter Brabeck-Letmathe, presidente do gigante de alimentos suíço Nestlé, um grupo que trabalha com mais de 600.000 agricultores no mundo.
"Precisamos passar de uma lógica de ajuda a uma lógica de investimentos", disse Sean de Cleene, vice-presidente encarregado do desenvolvimento mundial do produtor de fertilizantes norueguês Yara.
Os dois grupos estão envolvidos em grandes investimentos na África. A Nestlé vai gastar mais de 100 milhões de dólares em dez anos para melhorar a qualidade da produção de cacau na África do oeste, enquanto a Yara dedicará 50 milhões de dólares a terminais de estocagem de fertilizantes em Moçambique e Tanzânia.
Para convencer as empresas a se comprometeram ainda mais com o combate à fome, Diouf lançou um argumento econômico: "Imagine o tamanho do mercado, se o bilhão de pessoas (que passam fome) se tornarem consumidores".
"Há perspectivas de 'business'", reconheceu Howard Minigh, presidente do CropLife, organização que reúne grandes sementeiras como Monsanto ou Syngenta, "mas é a muito longo prazo".
Este envolvimento crescente das multinacionais assusta as organizações não-governamentais porque podem trazer um modelo de produção intensiva.
"Há uma grande ofensiva, desde o início da crise alimentar (em 2007/2008), destas multinacionais de sementes, de fertilizantes (ou de OGM), que é preocupante, mesmo se estamos de acordo com o fato de que o setor privado tem um papel a desempenhar", indicou Jean-Denis Crola da Oxfam France.
"O interesse destas empresas é de desenvolver uma agricultura industrial com os OGM, pesticidas. Vimos os resultados na Argentina, no Brasil com um impacto ambiental e social dramático", denunciou Devlin Kuyek de Grain, ONG na luta contra a compra de terras agrícolas dos países do sul por investidores privados.
"Claro que precisamos intensificar a produção, mas a solução 'tudo com fertilizante' não é a boa", afirmou Crola, favorável a uma agricultura local com base na policultura.
"O ideal é encontrar um equilíbrio, as empresas devem ser uma parte da solução, mas devem trabalhar de forma responsável com seus parceiros", disse Cleene, da Yara.
"Um bilhão de pessoas passam fome. Minha resposta aos críticos é 'por que devemos limitar as tecnologias que permitem alimentar a população'? As pessoas devem ter a escolha", disse Minigh da CropLife, destacando que a África pode ser um grande mercado para os organismos geneticamente modificados (OGM) no futuro.
(AFP / UOL, 15/11/2009)