O degelo está se acelerando na segunda maior massa de gelo do mundo, a Groenlândia, que nos últimos nove anos perdeu 1,5 trilhão de toneladas de água --o suficiente elevar o nível do mar em mais de 4 milímetros. O número é apontado em um estudo publicado na edição de hoje da revista "Science", liderado por Eric Rignot, geocientista da Nasa.
"Nenhuma notícia boa por aqui. Sinto muito", disse o cientista em entrevista à Folha. Segundo ele, a aceleração do derretimento se verifica desde 2006 em um nível sem precedentes. Isso pode ser apenas uma oscilação normal --em alguns anos o gelo derrete mais, em outros menos. Mas, se for uma tendência, trata-se de mais um sinal de que o planeta está esquentando rápido.
Jefferson Simões, glaciologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diz que não se trata de mero acaso. "É preciso ver que esse não é um estudo isolado, existem várias outras evidências científicas, tudo vai se somando."
Os números, de qualquer forma, impressionam. Nesta década, as regiões que mais derreteram, aquelas próximas ao oceano, chegaram a perder mais de uma tonelada de água --uma caixa d'água cheia-- por metro quadrado por ano.
Outro dado novo é sobre o destino do gelo perdido. Cerca de metade dele se transforma em icebergs, perdendo contato com a Groenlândia. A outra metade se torna lagos de água líquida sobre a superfície de gelo, dizem os cientistas.
Além de servir como sinal de aquecimento, o derretimento do gelo tem uma consequência imediata a elevação do nível dos mares e, com isso, o alagamento de regiões litorâneas.
Se a Groenlândia derretesse por completo, os oceanos subiriam sete metros --uma catástrofe global para áreas costeiras. Nem os pesquisadores mais pessimistas, entretanto, acreditam que isso acontecerá.
O estudo na "Science" pode forçar uma revisão das previsões de 2007 do painel do clima da ONU (o IPCC) sobre o assunto, dizem os cientistas.
Estimava-se que os mares, na pior das piores hipóteses, subiriam no máximo 58 centímetros até 2100. "Levando em conta o novo cenário, eu diria que existe uma real possibilidade de ultrapassarmos esse valor", diz Jonathan Bamber, físico da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e um dos coautores do estudo. "O valor da ONU é muito pequeno. Infelizmente, o gelo está derretendo rápido. Eu estou preocupado", diz Rignot.
Falta a Antártida
Para ter certeza que não estavam cometendo erros, os cientistas utilizaram dois métodos diferentes. Um deles usou dados obtidos em solo, outro, via satélite, e os resultados estavam de acordo um com outro.
Para saber com precisão o que vai acontecer com o planeta no futuro, será necessário fazer algo similar com a Antártida. Apesar de o continente gelado ter 90% do gelo mundial --e, portanto, ser muito mais decisivo do que a Groenlândia-, sabe-se relativamente pouco sobre o degelo por lá.
Ainda não existe para a Antártida um estudo como este que sai agora na "Science", diz Simões. "É o único local onde ainda não está clara a situação, ela é a grande incógnita." Os cientistas sabem que a Antártida está passando por um aumento de temperatura e que vem perdendo gelo. Mas ainda é difícil quantificar.
"Sabemos que a região mais central e alta está tranquila, estável, se alguém falar que está mudando é bobagem. O nosso receio é que os derretimentos que estão ocorrendo no norte da península Antártica se espalhem", diz Simões.
(Ricardo Mioto, Folha de S. Paulo, 14/11/2009)