Setores do governo defendem busca de fontes alternativas de energia e investimento no potencial elétrico exclusivo do país
O mais abrangente apagão da história reacendeu em setores do governo um alerta para um velho risco: a excessiva dependência de fontes de energia sobre as quais o Brasil não tem autonomia nem controle. Numa situação de confronto com os vizinhos, o maior e mais rico país da América do Sul pode ficar vulnerável.
O apagão, que começou às 22h13 de anteontem, expandiu-se para 18 Estados e só foi superado na madrugada de ontem, expôs o quanto o Brasil depende de Itaipu (19% da energia consumida), que é um projeto binacional, meio a meio, com o Paraguai. Além disso, é também sujeito ao gás e aos humores da Bolívia.
A pressão é para que o Brasil invista mais em fontes alternativas de energia e no seu potencial hidrelétrico exclusivo e dentro do próprio país, sem parceiros externos. Não só por causa dessa dependência, mas muito por causa dela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito concessões tanto ao Paraguai quanto à Bolívia que, muitas vezes, são questionadas por setores do próprio governo, como o Ministério da Fazenda.
Em julho, por exemplo, Lula fechou com o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, um acordo pelo qual o Brasil aceitou duas mudanças de regra: pagar o triplo do preço ao parceiro pela energia gerada na Itaipu Binacional e permitir que os paraguaios passassem a vender sua energia excedente diretamente ao mercado brasileiro, sem passar pelo controle da Eletrobras.
O acordo, porém, ficou no papel. Por pressão da área econômica, Lula aceitou incluir de última hora a exigência de que os termos fossem submetidos ao Congresso. De julho até agora, o governo nem sequer enviou o projeto para a Câmara dos Deputados e o Senado. E, quando e se o texto finalmente chegar lá, haverá intensos debates e uma longa tramitação até ser aprovado.
Os dois países dividem meio a meio a energia de Itaipu, mas o Paraguai só consome 5% da sua parte e cede o restante ao Brasil por US$ 2,86 o megawatt, o que soma cerca de US$ 120 milhões por ano. Com o acordo, isso poderia pular para até US$ 360 milhões ao ano. Além disso, o Brasil se comprometeu a financiar a linha de transmissão Itaipu-Assunção e uma subestação que está prevista desde o contrato de criação da binacional e nunca foi construída.
Lugo, que fez sua campanha à Presidência falando grosso contra o vizinho gigante e prometendo mudanças profundas no Tratado de Itaipu, finge que não percebe o jogo brasileiro, que entregou um pacote vazio. Uma das preocupações de Lula, respaldado sobretudo pela área política do Itamaraty, é com o desgaste interno de Lugo, por dois motivos. Um é a tumultuada história do Paraguai, que saiu de uma longa ditadura militar para um regime de instabilidade e de corrupção. Outro é a fragilidade do próprio Lugo, que engravidou pelo menos uma moça quando ainda era bispo católico e não consegue cumprir as promessas de campanha.
(Por Eliane Cantanhêde, Folha de S. Paulo, 12/11/2009)