O blecaute é uma oportunidade para uma análise mais ampla do que realmente está acontecendo no setor de energia.
O assunto do dia em todo o país, e até no exterior, é o blecaute que deixou 18 Estados e o Distrito Federal no escuro na última terça-feira. A discussão sobre o sistema de abastecimento energético brasileiro está em todas as TVs, na internet, nas escolas, nos bares. Enfim, em cada esquina pipoca um palpite sobre o apagão. A oportunidade é para uma análise mais ampla do que realmente está acontecendo no setor, além da tão debatida vulnerabilidade do sistema de transmissão integrado.
O Sistema brasileiro de eletricidade (Sistema Interligado Nacional) é formado por empresas regionais de geração e distribuição, que possibilitam que a energia gerada em Itaipu seja enviada para as demais regiões país. Então, quando acontece um acidente em pontos críticos da linha de transmissão, como o de ontem, várias regiões podem ser atingidas.
As usinas nuclear Angra I e II são ligadas a esse mesmo sistema e ontem também tiveram que ser desligadas. Elas ainda permanecem desligadas e a retomada da operação pode durar dias. Para suprir a demanda de energia nuclear foram acionadas quatro usinas termelétricas a diesel, processo de geração com alto nível de emissão gases do efeito estufa.
Uma discussão mais profunda do problema começa pelo fato da transmissão centralizada ser fruto de um sistema de geração também centralizado e passa, obrigatoriamente, pelas mudanças climáticas.
Sistemas de geração e transmissão menores e distribuídos pelo país podem ser muito mais seguros para a provisão de energia. O relatório [r]evolução energética, lançado em 2007 pelo Greenpeace, já propunha a descentralização da geração e da distribuição de energia, gerada por fontes renováveis, ao invés de se investir em grandes hidrelétricas ou usinas nucleares.
Esses núcleos energéticos poderiam gerar energia a partir de fontes renováveis. O potencial de geração renovável por novas fontes é enorme. Estima-se que a energia eólica poderia atender 20% da demanda energética nacional em 2050 e a geração de energia por diferentes formas de biomassa poderia representar 26% da matriz elétrica nacional neste mesmo ano. Hoje essas fontes representam menos de 5% da energia elétrica produzida no país. A geração eólica no Nordeste ou a cogeração a biomassa no Sudeste, com redes de transmissão menos dependentes poderiam ter reduzido o problema de ontem. Além de ter dispensado o uso das termelétricas.
A revolução energética brasileira, no entanto, está emperrada na Câmara dos Deputados. A consolidação de um mercado de renovável consistente só será possível com o estabelecimento de uma política nacional para energias renováveis. A proposta de um projeto de lei já existe. Foi redigida pela Comissão Especial de Energias Renováveis com contribuições do Greenpeace.
Alguns deputados, no entanto, não entenderam – ou não quiseram entender - a urgência do assunto e tentam atrasar a aprovação do projeto. O texto que poderia já estar no Senado, agora vai passar por discussão e votação no plenário da Câmara dos Deputados. Não há previsão de quando vai continuar seguindo o seu curso normal.
Às vésperas de um novo acordo climático, em Copenhague, que limitará as emissões de gases de efeito estufa de todos os países, e logo após o maior apagão da história do país, é preciso repensar o nosso modelo energético atual e, principalmente, os investimentos do setor no futuro.
(Por Ricardo Baitelo, Greenpeace, 12/11/2009)