O grande blecaute de anteontem reacendeu no imaginário popular o fantasma do apagão. Tudo o que dá errado no Brasil em termos de infraestrutura é chamado de apagão. Fala-se de apagão aéreo, de apagão logístico, de apagão rodoviário. Mas o apagão original, aquele que popularizou o termo, foi o racionamento de energia de 2001.
O que houve na última terça (10/11), por mais impressionante que tenha sido pela extensão da área geográfica afetada, foi um evento de natureza muito diferente do apagão de 2001. Naquele ano, o Brasil vinha de um longo período de baixos investimentos em geração e transmissão de energia elétrica. O índice de chuvas foi abaixo da média, e o sistema elétrico, que trabalhava sem a folga adequada, não teve como abastecer o país.
Hoje, a situação do setor elétrico é outra. Houve uma recuperação dos investimentos no setor, sobretudo em linhas de transmissão, mas também em geração termoelétrica e hídrica. Além disso, este tem sido um ano muito úmido, trazendo farta disponibilidade nos reservatórios das hidroelétricas. Outro aspecto importante foi a crise econômica, que reduziu o consumo de energia elétrica, de modo tal que hoje temos uma carga menor do que havia sido antecipado.
Mas se tudo está tão bem com a geração e a transmissão de energia, como pôde ocorrer um blecaute como o de terça? Ora, um blecaute, isto é, uma falha geral no sistema de transmissão, é um evento improvável, mas que pode acontecer. É um pouco como morrer fulminado por um raio: é difícil de ocorrer, mas não é impossível.
Anteontem, houve um desligamento simultâneo de três linhas de transmissão de 750 kV de Itaipu, cuja causa precisa ainda está sendo investigada. O sistema elétrico simplesmente não é capaz de resistir a um evento como esse. Se considerarmos a lógica do planejamento e da operação do sistema de transmissão, entendemos que a perda de dois equipamentos de um mesmo circuito pode até ser contornada; mas a perda de três aparelhos com a mesma função sempre resulta em um blecaute. A dimensão do blecaute é explicada pela importância do circuito atingido: o sistema de transmissão de Itaipu, o maior do país.
(Por Nivalde J. Castro* e Roberto Brandão**, Folha de S. Paulo, 12/11/2009)
* NIVALDE J. CASTRO é coordenador do Gesel (Grupo de Estudos do Setor Elétrico) da UFRJ
** ROBERTO BRANDÃO é pesquisador sênior do Gesel