Discurso da sustentabilidade aplicado ao marketing ainda gera mitos.
A Feira Sustentável 2009 reuniu em Florianópolis pequenos produtores de todo o estado de Santa Catarina. Salame, queijo, vinho, artesanato, entre outros produtos, deram um ar colonial aos 150 estandes e 250 expositores que, além de expor seu trabalho, viraram pontos de discussão dos temas propostos: agricultura familiar, economia solidária, reforma agrária, energias renováveis e pesca e aquicultura.
Nos três dias da feira, que foi de 30 de outubro a 1 de novembro, os participantes puderam debater formas de sustentabilidade para a produção em pequenos núcleos no Centro Sul e na Assembleia Legislativa do Estado. A variedade de assuntos foi um dos pontos altos da feira. "Poder discutir projetos que são diferentes contribui para o nosso trabalho", conclui o diretor da Epagri - SC, Ditmar Alfonso Zimath, após o seminário "Desenvolvimento rural sustentável e os rumos da agricultura familiar em Santa Catarina".
Apesar da idéia de sustentabilidade estar muito presente, ainda há uma série de equívocos que não foram esquecidos nos seminários propostos pela feira. Como os mitos gerados em torno do conceito de Economia Solidária. O secretário executivo do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, Daniel Tygel tenta esclarecer essas confusões através de palestras e do site Cirandas.net. Um desses mitos confunde Economia Solidária com um simples modo de produção e a reduz à geração de emprego e renda para combater a pobreza. "Isso é uma armadilha. Há uma série de reduções que buscam confundir as pessoas, para que elas caiam no marketing de empresas que dizem ter responsabilidade social".
Essas expressões são usadas com frequência e provocam erros de interpretação porque o significado vai se deturpando com o mal uso. Daniel diz que os termos são adaptados ao marketing das grandes empresas para fazer parecer que a compensação obrigatória dos problemas ambientais que elas causaram são ações espontâneas de responsabilidade social da empresa. "Se você quer saber o que uma grande empresa fez de mal, é só ver o que ela diz que está fazendo de bom. Quando diz que está plantando árvores é porque destruiu alguma floresta", ressalta.
Outro mito é o de empreendedorismo. As pessoas se acostumam a ouvir que "se você é pobre, a culpa é sua", diz Daniel. "O perigo é esquecer que a pobreza acontece porque algo vai mal na sociedade".
Economia solidária melhora a qualidade de vida dos pequenos produtores
No estande que mostra os produtos do assentamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra da cidade de Paraíso, extremo-oeste catarinense, a agricultora Célia Glass disse que valeu a pena enfrentar 12 horas de viagem até Florianópolis "para acumular conhecimento, levar nosso trabalho e expandir as vendas, a produção".
A artesã e professora de artes plásticas, Vilse De Rocco, também veio de longe para expor com as amigas parte da produção de 57 sócios da Associação de Artesãos e Artistas Plásticos de São Miguel d'Oeste. Vice-presidente do grupo que nasceu em 1983, Vilse participa do Fórum Catarinense de Economia Solidária e viu na feira uma oportunidade de se atualizar nas oficinas e seminários.
A economia solidária passou a se multiplicar depois do Fórum Social Mundial de 2001 em Porto Alegre. Com a criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária as discussões foram amadurecendo e ganhando os pequenos produtores que viam nessa nova forma de gestão comunitária um modo de sobreviver em meio à concorrência desigual das grandes corporações.
O professor da Furb, Valmor Schiochet, destaca a oportunidade que a feira proporciona de se refletir sobre o que já se pratica e unir projetos diferentes sob o foco da busca da sustentabilidade. "Aqui temos o encontro de muitas coisas que estavam separadas e volta e meia se trombavam". No seminário Economia Solidária e os Rumos do Desenvolvimento Econômico, Valmor e Daniel Tygel debateram como esses projetos podem se unir para que os produtores tenham condições de garantir seu sustento na terra onde vivem.
Valmor afirma que "todos dizem que Santa Catarina é um modelo de desenvolvimento, mas esse modelo não serve". Para exemplificar, fala da disputa histórica mais importante do Estado. "A Guerra do Contestado [1912 - 1916] surgiu como uma revolta contra esse modelo onde o governo toma as terras dos trabalhadores e distribui a poucos, gerando problemas sociais e econômicos. A economia solidária traz a idéia de que é possível produzir, ocupar terra, vender, sem destruir e sem excluir o outro". Esse é um dos fundamentos da sustentabilidade, a garantia de desenvolvimento local equilibrado e com garantias para o futuro.
Daniel Tygel ressalta o apego do pequeno produtor com a terra onde vive como base da relação de sustentabilidade que ele mantém com sua região. "Uma grande empresa não tem apego a sua terra, se instala onde tem mais benefícios para gerar lucro a todo custo".
Para a artesã Isabel Aparecida de Souza o modelo solidário tende a se expandir. "Além de gerar renda, as condições de trabalho são melhores, levanta a auto-estima, aproxima pessoas que trabalham com coisas diferentes". Ela participa do grupo Fuxicos e Agulhas, um dos 19 grupos apoiados pelo Consulado da Mulher e revela que sua vida mudou depois que passou a trabalhar com economia solidária. "Eu trabalhava numa empresa de seguros e depois de perder o emprego comecei a fazer artesanato. Hoje sou mais feliz trabalhando e tenho mais tempo para minha família".
Pequeno produtor tem crédito local
Seu Nelson Holz produzia cana-de-açúcar e gado leiteiro em sua pequena propriedade em Joinville. Na Associação dos Protetores da Agricultura Familiar percebeu que podia produzir flores para vender. A venda de flores vem aumentando e Seu Nelson já pensa em se dedicar exclusivamente à produção que gera renda para quatro famílias. "O produtor rural tem que ser estimulado. É bom ter acesso a cooperativas de crédito e poder ampliar a produção".
As cooperativas de crédito funcionam como uma espécie de banco. A diferença é que na cooperativa os participantes entram com pouco dinheiro e os lucros não se concentram nas mãos de um só dono. "Para a cooperativa funcionar, deve haver um equilíbrio entre a renda dos sócios. Se um tem muito dinheiro e a maioria tem pouco, se esse um retirar o dinheiro acaba quebrando o grupo todo, como acontece nos bancos", diz Ieda Maria Piloni, uma das sócias fundadoras da Credi Chapecó.
O grupo funciona há cinco anos e tem atualmente mil e trezentos sócios. Os que tem mais de cinco mil reais aplicados na poupança tem direito a usar um cartão de crédito que funciona somente no comércio local. O cartão faz sucesso em Chapecó e tem grande aceitação entre os comerciantes locais.
Com esse princípio as cooperativas de crédito resistem às crises econômicas como a que quebrou vários bancos grandes em todo o mundo. "A base do nosso trabalho é a cooperação, porque ninguém faz nada sozinho", completa Ieda.
(Por Juliana Frandalozo, Ambiente JÁ, 06/11/2009)