No último mês, a ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff apresentou dados sobre a reforma agrária no Brasil que, segundo ela, colocam o país na "vanguarda do processo de democratização da terra". Dilma mostrou que no período que vai de 2003 a 2008 foram feitos assentamentos em 43 milhões de hectares.
Os movimentos sociais que lutam pelo campo, entretanto, não encaram esses números com otimismo e cobram mais velocidade. Mas existe um problema maior do que a demora em assentar os trabalhadores rurais: pesquisas recentes apontam que está ocorrendo um processo de reconcentração fundiária nos assentamentos de reforma agrária.
O pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp) Álvaro D'Antona explica que trata-se de um processo intenso, identificado nos assentamentos que o pesquisador estudou em Santarém, no Pará. "Ali há um processo de concentração que não se deve apenas ao aparecimento recente de grandes propriedades. Ocorre um processo de divisão de propriedades, em unidades cada vez menores, que compromete a capacidade dos agricultores familiares em produzir", explica o pesquisador.
Pesquisas mostram que esse padrão não fica restrito a Santarém, pois também foram encontrados altos índices de reconcentração fundiária no Mato Grosso, Acre, e em outras regiões do Pará. Legalmente, o assentado não pode vender ou repassar a terra até ter o título definitivo da propriedade. Mas como o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) muitas vezes tem dificuldade em oferecer condições aos trabalhadores, esses colonos acabam vendendo as terras. A rotatividade resulta em nova concentração fundiária.
"A divisão dos estabelecimentos agropecuários em unidades cada vez menores, seja por venda ou por herança, resulta em menos terra por unidade doméstica. Em compensação, formam-se grandes propriedades (pecuária e soja). Tanto uma parte quanto a outra da equação significam concentração fundiária. Ou seja: há muita terra nas mãos de poucos; pouca terra nas mãos de muitos", explica D'Antona.
Efeito colateral
Segundo D'Antona, um efeito colateral dessa reconcentração é que o agricultor familiar se vê obrigado a desmatar a floresta amazônica. "Para os estabelecimentos familiares, ter pouca terra é ruim para a conservação da floresta. O lavrador é obrigado a sobre-explorar as áreas já desmatadas para o plantio, que resulta em baixa produtividade. Esse enfraquecimento do solo leva o produtor a desmatar outras partes de sua propriedade em busca de solos mais férteis".
Esse circulo vicioso acaba explicando, em partes, os altos índices de desmatamento da floresta amazônica que vem sendo detectados em assentamentos da reforma agrária, a ponto de no ano passado o ministério do Meio Ambiente ter considerado o Incra o maior desmatador da floresta.
Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que monitora o desmatamento via satélite, o desmate em assentamentos é crítico. Só em setembro de 2009 - últimos dados disponíveis - 18% de tudo o que foi desmatado no mês ocorreu em assentamentos. Desde janeiro, 275 km² de florestas foram derrubadas pelos assentados.
D'Antona acredita que, se os projetos de assentamentos fossem criados em unidades maiores - entre 150 e 200 hectares - os produtores conseguiriam manter a floresta. "Mais terra para o agricultor que estudamos significa mais tempo de pousio [descanso] para as áreas já utilizadas, e diminui a busca por terras mais férteis".
Bons exemplos
Apesar dos graves problemas, o pesquisador da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, Thomas Ludewigs, que estudou assentamentos no estado do Acre, lembra que também existem exemplos de assentamentos bem sucedidos. "Um exemplo é o Grupo de Agricultores Ecológicos do Humaitá, no Acre. Apesar da atividade pecuária ser a mais importante no assentamento, a economia é na verdade bem diversificada, e contribui sim no abastecimento de Rio Branco com alimentos orgânicos de alta qualidade".
Segundo Ludewigs, no caso desse assentamento, a proximidade do mercado local chega a ser mais importante do que a quantidade de terras que os colonos dispõem, já que eles têm mercado garantido para vender seus produtos. Além disso, se bem organizados, os produtores familiares podem abastecer inclusive mercados internacionais.
"As pesquisas têm mostrado que pequenos produtores, quando bem organizados, podem abastecer não apenas mercados locais mas também nacionais e internacionais, como no caso do açaí produzido no estuário próximo a Belém. Os resultados recentes do Censo Agropecuário confirmam a importância da agricultura familiar no abastecimento de nosso mercado interno".
Reforma Agrária ideal
Para Ludewigs, um modelo de reforma agrária ideal deveria pririzar não apenas a quantidade de famílias assentadas, como faz hoje o governo, mas avaliar a qualidade da terra, o acesso aos mercados, e a produção agrícola do assentamento.
D'Antona concorda com esse ponto de vista. "De forma muito simplificada, a reforma agrária seria mais efetiva se desse condições ao produtor para produzir e comercializar seus produtos, e também de ter acesso a bens e serviços; se as regras e a aplicação das regras de futura transação do lote distribuído fossem mais rigorosas, buscando impedir que um único indivíduo venha a comprar mais do que um lote; se as áreas distribuídas fossem planejadas de tal modo a favorecer o respeito à legislação ambiental, e que tal respeito fosse cobrado depois da distribuição dos lotes".
O pesquisador ressalta que essas "receitas" listadas são de conhecimento público. "Então, a verdadeira questão não é sobre o que deve ser feito para o sucesso ou efetividade da reforma agrária, mas sim por quais motivos tantos problemas foram e são detectadas nas áreas de colonização e de reforma agrária".
(Por Bruno Calixto, Amazonia.org.br, 05/11/2009)