Em carta enviada à redação da revista americana Forbes, a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) e a International Ban Asbestos Secretariat (IBAS) criticaram a reportagem "O Bill Gates da Suíça", que foi publicada em 25 de setembro e elogia a atuação filantropa de Stephan Schmidheiny, herdeiro da indústria do amianto e criador da Fundação Avina, que atua em diversos países da América Latina, inclusive o Brasil.
Na matéria da Forbes, a jornalista Tatiana Serafin descreve dois projetos de empreendedorismo social apoiado pela Avina, um no Brasil e outro no Paraguai, e apresenta o histórico da fundação, criada em 1994 "por um dos menos conhecidos e mais precavidos filantropos no mundo". Em 2003, segundo a matéria, Schmidheiny doou ativos de seus negócios que somavam US$ 1 bilhão, incluindo todas as ações de sua holding, o GrupoNueva, ao VIVA, um trust de caridade que também cuida da Avina.
O trust usa atualmente US$ 30 milhões dos lucros anuais do GrupoNueva e de outros ativos para financiar projetos na América Latina. Essa doação tornou o suíço uma das 14 pessoas vivas que concederam US$ 1 bilhão ou mais, em uma lista que também inclui o dono da Microsoft, Bill Gates, e o investidor Warren Buffett. "Schmidheiny, que tem casas na Costa Rica e em seu país natal, divide seu tempo em administrar os seus US$ 2,5 bilhões restantes e trabalhar em projetos ambientais e de caridade", escreve Serafin.
Filantropo diz que começou seu novo grupo a partir do zero
Na seqüência do texto, a jornalista fala sobre o passado de Schmidheiny, representante da quarta geração de uma dinastia industrial da Suíça e herdeiro do grupo Eternit, um dos líderes mundiais na fabricação de produtos à base de fibrocimento de amianto. Serafin fala que, aos 29 anos, Schmidheiny passou a controlar os negócios da família e "deparou-se com crescentes preocupações ambientais e de saúde em relação ao amianto". Ela acrescenta que o suíço "mandou instalar filtros para reduzir a poeira da substância nas fábricas da Etenit, reforçou o treinamento de empregados e começou a afastar a companhia do mercado de produtos à base de amianto".
Em uma curta entrevista concedida por e-mail à Forbes, Schmidheiny, que costuma evitar a imprensa, afirmou que ele mesmo foi exposto ao amianto quando jovem, carregando sacos na planta da Eternit no Brasil, localizada em Osasco (SP). Em 1984, aos 37 anos, ele herdou os ativos do grupo, mas, segundo a reportagem, vendeu grande parte deles em cerca de uma década e diversificou seus negócios em outras áreas, através principalmente do GrupoNueva e de participação nos conselhos de corporações suíças como a Nestlé e a UBS.
"O meu grupo estava indo à bancarrota como consequência dos efeitos combinados entre os problemas ligados ao amianto e uma grande queda nos mercados de construção. Assim, eu construí o meu grupo [o Nueva] praticamente do zero", declarou Schmidheiny na entrevista à Forbes. Na opinião dele, passar pela "dolorosa venda" da empresa iniciada pelo avô tornou mais fácil depois a doação de "uma parte substancial da minha riqueza em uma idade relativamente jovem".
Serafin ainda escreve na matéria que o foco de Schmidheiny na América Latina aumentou a partir "dos negócios e de interesses ambientais dele na região". Nos anos 80, ele começou a fazer palestras sobre responsabilidade social corporativa e mais tarde tornou-se o principal conselheiro de Maurice Strong, que foi o secretário-geral da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, a ECO-92. Neste encontro, o suíço fundou o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, que reúne grandes corporações, e prosseguiu, então, sua atuação na área socioambiental com a criação da Fundação Avina em 1994.
Jornalista não ouviu opinião de ex-empregados de Schmidheiny
Na carta enviada à Forbes, o presidente da ABREA, Eliezer João de Souza, e a coordenadora do IBAS, Laurie Kazan-Allen, questionam se a repórter Tatiana Serafin "teria sido tão amável com Stephan Schmidheiny caso ela tivesse tempo para entrevistar qualquer uma mais de 1.500 vítimas do amianto cujo processo criminal contra Schmidheiny e outro ex-executivo da Eternit terá seu julgamento iniciado em 10 de dezembro deste ano em Turim, na Itália". Os representantes das entidades acrescentam que "os ex-executivos podem pegar 12 anos de prisão se forem condenados pelas acusações de exporem cidadãos italianos ao amianto de maneira negligente".
Souza e Kazan-Allen também dizem que "se uma viagem à Itália não fosse do agrado de Serafin, ela poderia ter visitado Osasco, uma cidade brasileira onde décadas de fabricação de produtos com fibrocimento de amianto da Eternit contribuíram para a riqueza da família de Schmidheiny, a riqueza que ele utiliza para fazer doações e que lhe rende elogios".
De acordo com os representantes, os membros da ABREA poderiam ter contado à Serafin o que ex-operários da Eternit acham da filantropia de Schmidheiny. "Eles poderiam ter dito à jornalista como ele e a empresa da família dele expuseram os trabalhadores a uma substância reconhecidamente cancerígena e depois deixaram a cidade e os abandonaram", destacam.
A íntegra da carta da ABREA e do IBAS pode ser vista aqui e um artigo de Laurie Kazan-Allen sobre o assunto pode ser lido aqui.
Advogado dos Estados Unidos diz que Forbes insultou vítimas da Eternit
Em outra carta enviada à Forbes, o advogado Steven Kazan também criticou o perfil de Stephan Schmidheiny. Na opinião de Kazan, que atua na defesa de vítimas do amianto nos Estados Unidos desde 1974, o artigo parece a simples cópia de "um press release enviado pela equipe de relações públicas de Schmidheiny".
"Embora possa ser verdade que ele doou recursos significativos a vários empreendimentos de caridade, a realidade que permanece é que a fortuna da família dele deriva unicamente de um século de exploração criminal de trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo", aponta, afirmando que a Eternit desenvolveu os seus negócios "sem mesmo considerar os mais básicos cuidados para a saúde e a segurança dos trabalhadores".
E ele acrescenta: "Como resultado, há epidemias de doenças relacionadas ao amianto, incluindo asbestose, câncer de pulmão e mesotelioma, um câncer cuja única causa conhecidade é a exposição ao amianto, em comunidades ao redor das fábricas de Schmidheiny por toda a Europa e em outros lugares, incluindo a mais distante unidade em Osasco, no Brasil, onde ele foi empregado brevemente quando era jovem".
Kazan afirma que essas vítimas são "o verdadeiro legado de Stephan Schmidheiny, de sua família e do negócio dela - a Eternit. Chamá-lo de 'Bill Gates da Suíça' foi um insulto ao Bill Gates e às vítimas da Eternit", conclui.
Para ler o teor completo da carta de Steven Kazan à Forbes, clique aqui.
(Por Rodrigo Brüning Schmitt, Ambiente JÁ, 05/11/2009)