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ocupação humana parque estadual serra do mar política ambiental de sp
2009-11-05

Maria Neide Bernardo da Silva tinha 25 dias quando seu pai, que trabalhava há um ano na construção da rodovia Anchieta, buscou sua mãe e seus irmãos e, com Maria no colo, os levou à casa nova, cedida pelo Departamento de Estrada de Rodagem (DER), às margens do traçado da estrada que liga São Paulo a Santos, na Serra do Mar. Essa história ocorreu há 68 anos. Sempre morando nas casas construídas pelo DER no bairro Cota 400, Maria cresceu, casou, conseguiu outra casa na região e teve oito filhos que também já casaram e construíram suas moradias perto da mãe, todos nos bairros Cota, em Cubatão.

Depois de tanto tempo morando no mesmo lugar, ela será retirada da região que ama, um “pequeno paraíso”, para ser colocada em um conjunto habitacional. Não pela sua vontade e nem com o direito de escolher outra opção que não seja uma unidade do CDHU, que poderá ser paga em no máximo 25 anos. Como ela, outras 20 mil pessoas, aproximadamente, serão removidas pelo governo estadual no programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, considerado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) o maior trabalho de reassentamento populacional em área de proteção ambiental em execução no mundo.
 
 O gigantismo do programa é diretamente proporcional à ausência de diálogo e comunicação, por parte do governo, executor da obra, com quem será afetado diretamente pelo programa, segundo os moradores do local. Maria, por exemplo, que estudou até a quarta série na única escola estadual que existe na Cota 400, conhece as intenções do estado de retirá-la do lugar onde passou toda a sua vida ao lado dos filhos e netos, mas não tem ideia de como isso vai acontecer, para onde vão, em que condições e de que forma.

Ela gostaria de ficar na região, mas a área pertence ao Parque Estadual da Serra do Mar e, segundo decisão judicial que condenou estado e prefeitura de Cubatão, todos ali serão reassentados. “Aqui vivi e criei meus filhos e aqui quero morrer. Quando estudei a escola era lá no alto (apontando para a Cota 500). Eles falam que tudo foi invadido, mas não é verdade. Viemos todos para trabalhar e o estado que nos deu as casas.”
 
 A ocupação da Serra do Mar
Criados pelo próprio estado no mandato do governador Ademar de Barros, em 1941, por conta da construção da via Anchieta e ampliado nos anos 1970, com a Imigrantes, os bairros Cota foram os responsáveis pela ocupação das encostas da Serra do Mar. Mesmo com uma legislação ambiental que protege a serra desde 1979, os problemas se agravaram a partir dos anos 1980, momento em que surgiram novos bairros em razão da expansão industrial e da pressão da população em busca de moradia.

Nesse período, nem estado nem as administrações municipais se preocupavam com o crescimento desordenado das áreas de encosta, do risco geológico e da insalubridade em que as pessoas viviam. Trabalhadores migravam de várias partes do país, principalmente do Nordeste e, sem condições de pagar uma casa em Cubatão, “subiam o morro” adensando cada vez mais a região.
 
Foi o que aconteceu com Eurípedes Ferreira Maciel, que chegou em 1973, na construção da Imigrantes. Piauiense, Maciel saiu de uma obra da Camargo Corrêa, em Minas Gerais, direto para Cubatão. Com o fim do serviço na serra, foi para a Cosipa, onde trabalhou até se aposentar. “Arrumei mulher, tive filhos e fui ficando. São 35 anos. Hoje minha filha está na faculdade. Ainda bem que minha casa não foi atingida, está desafetada [fora da área demarcada do Parque] e fora de risco. Mas tem gente que está perdendo tudo.”
 
É o caso de Raimundo Pereira dos Anjos, de 56 anos, que nasceu no bairro Cota 200. Seu pai, trabalhador do DER, teve direito a uma casa de madeira em 1948 ao lado de um curso d’água. A família foi reformando o local com o tempo e hoje conta com cinco cômodos, além do banheiro. Pereira afirma ter investido, nos últimos anos, R$ 26 mil em melhorias e agora vai perder sua casa. “Ninguém falou nada sobre indenização. Só sei que vou sair daqui e vou pagar um carnê de aluguel lá embaixo”, referindo-se aos assentamentos no Jardim Casqueiro e Bolsão 7 e 9, locais para onde será encaminhada a quase totalidade das famílias.
 
Severino Ferreira da Silva, o Biu, aponta a prefeitura, estado e as indústrias como responsáveis pelo processo de ocupação desordenada da Serra do Mar. “Eu cheguei em 1979 de Pernambuco para ter uma vida melhor e não tinha como morar na cidade. Restou correr para o morro. Na Cota 200 tinha pouco mais de 200 casas, hoje tem mais de 2.300. Foram 30 anos para fazer minha casa. Ela é modesta, muitas vezes deixei de oferecer uma comida melhor aos meus filhos para investir aqui e o governo não tem o direito de tirar nosso patrimônio assim, porque ele nunca esteve presente nesse período todo e a gente não tem que pagar por essa ausência agora.”
 
Para o arquiteto e urbanista José Marques Carriço, consultor da Universidade Católica de Santos (UniSantos) na elaboração da Agenda 21 local, contratada pela Ciesp Cubatão para área de habitação de interesse social, realizado em 2008, o modelo de desenvolvimento brasileiro por muito tempo só se preocupou em garantir infraestrutura para que as empresas pudessem lucrar e deixou o cidadão abandonado, sem políticas públicas que garantissem um mínimo de sobrevivência digna.

“Isso fez com que o trabalhador que veio para a indústria ocupasse as áreas de risco, pois eram as mais baratas e as únicas acessíveis à população.” Carriço considera que o cidadão não pode ser responsabilizado pela situação do local, pois sem a presença do estado as pessoas vão ocupando e construindo conforme suas condições. “Quem tem o papel de regular e planejar é o poder público, que agora precisa olhar para todo esse patrimônio social feito pelo cidadão com mais respeito.”
 
Os riscos das encostas
Toda a região das encostas da Serra do Mar vive sérios problemas com as constantes ameaças de deslizamentos nos períodos de chuvas que vai de novembro a março. Segundo Cassandra Maroni, geóloga e vereadora em Santos (PT), responsável técnica pelo Plano Municipal de Redução de Risco desenvolvido para a prefeitura de Cubatão pela Fundação para o Desenvolvimento da Unesp (Fundunesp), em 2007, e que acompanha os problemas com as áreas de risco da serra desde 1988 – quando um deslizamento no Grotão deixou dez mortos –, vários setores nas encostas vivem uma condição severa de risco geológico.

“Cada ciclo chuvoso altera a estabilidade do terreno. Poderia até alterar para melhor se fossem feitas obras. Mas hoje está pior. No estudo que fizemos recomendamos a realocação de 442 residências das cerca de 1.300 ameaçadas num conjunto de dez áreas pesquisadas. Mas com possibilidades de melhoria com algumas intervenções simples como replantio de vegetação, retaludamento e uma quantidade de pequenas obras.”
 
Todo o programa de reassentamento dos moradores das encostas está baseado em dois documentos. O primeiro, uma decisão judicial que condena o governo do estado a preservar e recuperar os ecossistemas do Parque Estadual da Serra do Mar, criado em 1977, retirando todas as moradias localizadas nas áreas do parque. O segundo é um Plano de Risco, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em 2007, que trata das questões de risco geológico e tecnológico e que define o restante das remoções.

O coronel Elizeu Ecleir Teixeira Borges, coordenador executivo do programa informa que um grande contingente de moradores deve sair, por morar em áreas de risco. “53% dos que vão sair estão dentro do parque, às margens dos cursos d'água, mas existem as áreas de risco apontadas pelo IPT, em encostas e nas áreas de operação da rodovia.”
 
Moradores, autoridades locais e governo divergem sobre os processos que definiram as remoções. Para Cariço, que também trabalhou no Plano Municipal de Redução de Risco, o relatório do IPT é muito mais draconiano que o da prefeitura, que respeita as definições do Ministério das Cidades e prioriza a fixação dos moradores. “O governo municipal, por exemplo, discutiu os critérios em audiências públicas, debates, e a população absorveu o trabalho. Logo depois o estado fez outro levantamento com um critério mais restritivo e sem nenhum debate. Portanto a relação do governo com os moradores já começou ruim.”
 
Essa é a principal reclamação de quem vive a ameaça da remoção. “Se a preocupação do governador é com as pessoas que sofrem com as chuvas, por que as casas condenadas pela defesa civil do município não foram condenadas pelo laudo do IPT, que definiu outras com muito menos risco para serem retiradas?”, denuncia Fernanda Pereira, moradora da Cota 200. “Quero saber por que até agora os moradores do Grotão, que ficam no local de pior condição de moradia, ainda não foram procurados pelo estado?”
 
Cassandra aponta a necessidade de diálogo para que a população entenda o processo das remoções. “Do ponto de vista técnico, há a necessidade de reduzir esses riscos, há necessidade de realocar uma parte dessa população. Mas tem o custo benefício, o tipo de urbanização, a história desses moradores. Muita coisa precisa ser levada em conta.”
 
As remoções
Serão removidas 5.044 famílias que moram nos bairros Cota, Pinhal do Miranda, Água Fria-Pilões e Sítio dos Queirozes, e que ocuparão unidades habitacionais nas áreas de planície de Cubatão. Outras 2.500 famílias moradoras das encostas permanecerão no local, em áreas reurbanizadas.
 
A cidade vive um grande drama social. Espremida entre a orla marítima com regiões de mangue, áreas de proteção dos mananciais que formam o rio Cubatão e a Serra do Mar, existem poucos espaços para receber um contingente tão grande de moradias. As áreas urbanas livres ficam no setor industrial.

Restou ao governo, com a colaboração do ex-prefeito Clermont Castor, criar bolsões exclusivos em áreas isoladas para as remoções – que já fazem parte da história recente do município –, além de ocupar os vazios de bairros urbanizados há mais de 40 anos como é o caso do Jardim Casqueiro. O programa vai mexer, segundo técnicos da prefeitura, com aproximadamente 40% da população cubatense de cerca de 130 mil habitantes (IBGE 2009).
 
Para Edmur Mesquita, diretor executivo da Agência Metropolitana da Baixada Santista (Agem) e coordenador institucional do programa, o foco das intervenções é de recuperação ambiental, mas vai equacionar 70% dos problemas de moradia de Cubatão.  “É uma decisão do governador que termina com um tabu de décadas. Isso vai significar ganho, desenvolvimento, economia, ordenamento do território. A intervenção é altamente positiva para o município e para a região.”
 
Segundo o coronel Ecleir, as primeiras 800 remoções começam a acontecer em dezembro com a oferta de unidades adquiridas do governo federal. “Fizemos um levantamento socioeconômico que identificou que uma parcela dos moradores dos bairros da encosta trabalham em outras cidades, entre Guarujá e Peruíbe, além do ABC paulista. Serão 600 unidades para a baixada e cerca de 200 para o ABC. Provavelmente a partir de outubro os moradores vão receber um contrato de adesão e se quiserem, já poderão sair. Neste caso será um convite. Já as construções dos conjuntos habitacionais ficam prontas até meados do ano que vem.”
 
Mobilização
Tanto os moradores das encostas como os dos bairros que receberão os conjuntos habitacionais estão se mobilizando no que eles consideram uma interferência do governador Serra na vida da cidade. “Ele resolveu botar o pé aqui e espalhar todo mundo com seus projetos prontos. Não se coloca um projeto pronto desse porte dentro de uma cidade, dentro de uma comunidade. Ele vai dobrar o volume da população do Casqueiro e não dialogou com a gente, não convocou uma reunião sequer e não tem um acordo com o Executivo da cidade”, desabafa Izildinha Cabral Ferreira, moradora do Jardim Casqueiro.
 
No dia 18 de setembro, a Sociedade de Melhoramentos do Bairro Casqueiro (Someca) fechou a entrada principal do canteiro de obras do conjunto habitacional Rubens Lara, que vai contar com 1.840 residências. A barraca, em vigília 24 horas por dia, ficará montada até que o governo estadual inicie um processo permanente de diálogo sobre a infraestrutura no Jardim Casqueiro e no Parque São Luiz e redefina as remoções da Serra do Mar.
 
O coronel Ecleir afirma que desde o início dos trabalhos ocorrem encontros. “Tenho registrado em meus documentos mais de 100 reuniões por ano com as comunidades que vão ser afetadas. Fizemos tanto grandes reuniões como pequenas, de 50 em 50, para falar com todos, tirar dúvidas.” Mas na sua maioria, segundo os moradores, os questionamentos nunca são respondidos. “Depois que começamos com o movimento apareceram as escolas, os postos de saúde. Mas queremos discutir, tratar tudo isso com a prefeitura”, cobra Izildinha.
 
No dia 30 de setembro, o governo convocou uma reunião pública para apresentar as obras de infraestrutura e de serviços para as áreas de reassentamento. No encontro, os moradores cobraram dos representantes do governo audiência pública para aprovar legalmente os conjuntos habitacionais.
 
Com o slogan “Audiência pública já. É lei”, cerca de 300 moradores pediram o cumprimento da Lei Orgânica do Município, Plano Diretor e Estatuto da Cidade, que preveem audiências públicas e Estudo de Impacto de Vizinhança nos locais onde ocorrerão obras do porte dos conjuntos habitacionais. Segundo o coronel Ecleir, a audiência dessas obras ocorreu no município de São Paulo, em 2008.
 
Segundo a vice-presidente do Someca, Simone Tenório, o governo demonstra não estar preocupado com as pessoas. “Nossa preocupação se resume em discutir de verdade um projeto que vai mudar nossas vidas e a vida do bairro. O governador Serra não está vendo isso como também está desconsiderando toda a história social de quem mora há décadas na Serra do Mar. Vão simplesmente destruir os bairros Cota que fazem parte de nossa história.”
 
Para Cassandra, é importante aproveitar o momento. O governo estadual está preocupado em solucionar o problema. São R$ 850 milhões, um investimento inédito na cidade. Tem verba estadual e repasses do governo federal e BID. “Mas o governo precisa fazer consultas democráticas, sentar com o município e a comunidade, se preocupar com os problemas de cada família, olhar para o que eles investiram a fim de construir uma saída melhor para todos.”
 
Os nomes dos bairros
Bairros Cota (95/100, 200, 400 e 500) são os nomes dados às aglomerações de residências feitas pelo DER, autarquia do governo do estado de São Paulo, para os trabalhadores da construção das vias Anchieta e Imigrantes. Até hoje, moram ali muitos trabalhadores da ativa e aposentados da empresa. A denominação “cota”, utilizada na construção da estrada, refere-se à altura, em metros, que o ponto se encontra em relação ao nível do mar.
 
Os números do Programa Socioambiental da Serra do Mar
- Investimentos – R$ 850 milhões
- População estimada a ser removida – 20 mil pessoas (5.044 famílias)
- Área a ser reflorestada – 800 mil m2
- População nos bairros que vão receber os conjuntos habitacionais – cerca de 20 mil pessoas.
- Áreas de reassentamento (unidades habitacionais):
 Jardim Casqueiro – Residencial Rubens Lara – 1.840
 Bolsão 9 – 1.154
 Bolsão 7 – 650
 Aquisição de imóveis (Baixada e ABC paulista) – 800
 Outras alternativas (novas unidades habitacionais e carta de crédito) – 600

(Por Carlos Rizzo, Revista Fórum*, 04/11/2009)

 *  Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de outubro. Nas bancas.


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