Inspirada pela Copa e Olimpíada, prefeitura tenta mudar legislação
A Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 estão servindo de justificativa para a prefeitura e a Câmara do Rio realizarem mudanças profundas na legislação urbanística da cidade. Com o objetivo oficial de arrecadar mais recursos para infraestrutura, autoridades propõem aumento de gabaritos, alienação de patrimônio, ampliação de potencial construtivo, liberação para erguer edificações em terrenos alagados, em algumas das regiões que serão sede dos eventos.
A mais recente polêmica é o Projeto de Estruturação Urbana (PEU) da região das Vargens (Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e partes da Barra, Recreio e Jacarepaguá). Apresentada na semana passada, a iniciativa tramitou em tempo recorde. Foi aprovada em primeiro turno no dia de sua publicação no Diário Oficial e estava prevista para ser referendada ontem à noite - a votação não havia acabado até as 19 horas.
Sete vereadores de oposição assinaram representação que deverá ser entregue nesta quarta (04/11) ao Ministério Público contra a proposta. Representantes das comissões permanentes assinam o projeto, mas vereadores da base admitiram que o texto foi enviado pelo Executivo. "Não tem nada a ver com Olimpíada e Copa. É uma mudança de natureza especulativa destinada a valorizar muito os terrenos daquela área", disse Alfredo Sirkis (PV). A oposição reclama da falta de audiências públicas e da votação "na base do atropelo".
O secretário especial da Copa 2014 e Rio 2016, Ruy Cezar, disse ontem na Câmara que o PEU é "fundamental para que a prefeitura possa assumir compromissos com o Comitê Olímpico Internacional". O prefeito Eduardo Paes (PMDB) defende a proposta. "Acho excepcional. O projeto em vigor permitia que se aumentasse o gabarito sem que se pagasse nada."
O novo PEU substitui a legislação que está em vigor desde 2006. Entre as alterações, destaca-se a permissão para se construir nos chamados lotes molhados, acessíveis por canais artificiais navegáveis.
O texto prevê a regulação do Setor L das Vargens, onde deverá ser erguida a sede da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O PEU permite o aumento de potencial construtivo por meio de contrapartidas financeiras - outorgas onerosas - e a ampliação de gabaritos para donos de terrenos que doarem outras propriedades. O texto tirava de 19 comunidades o título de Áreas de Especial Interesse Social. Após protestos, uma favela perdeu o título.
"São quase 15 anos sem intervenção reguladora. O Plano Diretor e os PEUs precisam ser revistos, mas não podemos tratar essa questão apenas pelo aspecto econômico", afirma o coordenador do Observatório das Cidades e professor da UFRJ, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. "A outorga onerosa é um instrumento que pode fazer a cidade ganhar, garantindo mais recursos para áreas carentes, mas tem de ser cautelosamente aplicado. Precisamos ficar atentos para que os Jogos Olímpicos não sirvam de álibi para tudo."
A Câmara também aprovou ontem projeto que autoriza a prefeitura a vender terrenos. A estimativa é que poderão ser arrecadados de R$ 80 milhões a R$ 150 milhões. Na semana passada, os vereadores já haviam aprovado nova legislação para a zona portuária. Os interessados em investir no local poderão pagar contrapartidas para ampliar gabaritos e potenciais construtivos.
(Por Alfredo Junqueira e Felipe Werneck, com colaboração de Clarissa Thome, O Estado de S. Paulo, 04/11/2009)