Muitas empresas estão deixando de responder adequadamente ao problema da obtenção sustentável de matérias-primas. É o que informa um relatório produzido pela Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA IF), pela organização conservacionista Fauna & Flora International (FFI) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e lançado nesta quinta (22/10) em Johanesburgo, África do Sul, na Mesa-Redonda da PNUMA IF.
No documento, 31 empresas brasileiras e multinacionais dos setores de alimentos, bebidas e tabaco são avaliadas com uma nova ferramenta – a Ecosystem Services Benchmark. O novo recurso foi elaborado para permitir aos investidores avaliarem o nível de risco de investir em empresas que dependam fortemente de determinados serviços ecossistêmicos, também conhecidos como serviços ambientais. Esse aspecto do risco de investimento não recebia a devida atenção até o momento, mas passa a ser evidenciado por esta ferramenta , que permite perceber a dependência das empresas frente a ecossistemas e possibilita aos analistas de investimentos classificá-las segundo o nível de sofisticação com que gerenciam a cadeia de suprimentos em termos de biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
Essa é a primeira análise abrangente de como as empresas nos setores de alimentos, bebidas e tabaco estão lidando com os desafios relacionados a seu impacto sobre os serviços ecossistêmicos e sua dependência destes. Tais serviços (que incluem a saúde dos solos, a polinização e a água) são vitais para as empresas que operam com cadeias de suprimento agrícolas. Tais setores estão entre os que mais dependem de serviços ecossistêmicos, tendo por isso o potencial de exercer um impacto significativo sobre a biodiversidade.
A ferramenta Ecosystem Services Benchmark foi desenvolvida em conjunto com investidores da Europa, Brasil, EUA e Austrália: três gestores de ativos sediados no Reino Unido (Aviva Investors, F&C Investments e Insight Investment); um gestor de ativos sediado nos Estados Unidos (Pax World); um banco sediado no Brasil (Grupo Santander Brasil) e um dos principais fundos de pensões da Austrália (VicSuper). Em conjunto, eles representam €455 bilhões (£398 bilhões, US$633 bilhões) de ativos sob gestão.
Sobre o novo relatório, Karina Litvack, Diretora de Governança e Investimento Sustentável da F&C Investments, comenta que “por muito tempo as empresas e seus investidores não deram a devida importância aos serviços ecossistêmicos, como se estes fossem gratuitos. No entanto, as recentes pressões sobre os recursos naturais apontam que, no futuro, esses serviços começarão a ter seu preço – ou, pior ainda, deixarão de existir. Isso poderia ter um profundo impacto sobre as estratégias e avaliações de empresas que atuam em setores de alto risco”.
A pesquisa revela um quadro em que as respostas ainda se encontram em estágio inicial. Embora as empresas disponham de projetos-piloto, não revelam ter planos para implementá-los. Elas contam com sistemas de gestão que parcialmente focalizam o problema, mas que são incompletos – talvez por se aplicarem a uma única commodity ou região. Apesar do grande âmbito de suas atividades, não dispõem de um princípio bem-definido que oriente suas ações ou de um processo claro de avaliação de riscos. Isso sugere que seu enfoque é reativo, e não pró-ativo.
Esse fato, combinado com informações incompletas prestadas pelas organizações, dificulta determinar se uma empresa compreendeu o problema e está trabalhando com ele. O desempenho geral desfavorável não significa inatividade ou falta de envolvimento das empresas, mas sim que elas não puderam demonstrar prontamente que suas ações para gerir esse aspecto apresentavam alcance adequado frente ao risco envolvido.
“Quase dois terços das empresas tentavam lidar com o problema aplicando algum tipo de programa-piloto, mas estas eram geralmente pequenas iniciativas em nível local, e não iniciativas empresariais amplas que lidassem com as questões relativas a recursos naturais em escala equivalente à pegada global deixada pela empresa", esclarece Mario Monzoni, Diretor do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas. “Tais programas costumam refletir uma reação a riscos imediatos, em vez de serem parte de uma avaliação estratégica de riscos a longo prazo que preveja a crise de 'recursos naturais' antes que ela se torne realidade.”
“Talvez o achado mais revelador da pesquisa seja o fato de menos de metade das empresas avaliadas haverem incluído toda a gama de serviços ecossistêmicos em suas avaliações de risco empresarial", informa Annelisa Grigg, Diretora de Projetos da Iniciativa Valor Natural, da Fauna & Flora International. “Desse modo, os riscos podem não estar sendo geridos, perdendo-se as oportunidades de gerar valor para o acionista.”
No entanto, nem todas as notícias são negativas, pois muitas das empresas analisadas já haviam iniciado o processo de compreender e levar em conta seus impactos sobre os ecossistemas e sua dependência frente a estes. Sobre o estudo, Steve Waygood, da Aviva Investors, comenta: “Os investidores interessados no desempenho de longo prazo irão examinar a sustentabilidade do modelo de negócios de uma empresa. Aquelas que monitoram sua dependência de ecossistemas e garantem segurança do suprimento de matérias-primas dispõem de uma vantagem competitiva em um mundo de recursos limitados”.
Unilever, a gigante holandesa de alimentos, foi a única empresa pesquisada a se enquadrar no âmbito das práticas recomendadas. Na varejista britânica Marks and Spencer o desempenho também foi bom. Ambas as empresas se distinguiram por seu bem documentado e estratégico enfoque de riscos, o que sinaliza que haviam compreendido e estavam gerindo muitos aspectos da pegada que deixam sobre os serviços ecossistêmicos.
Lauren Orme, responsável pela gestão de políticas de sourcing sustentável da M&S, salienta a importância da questão: "A obtenção sustentável de matérias-primas é um elemento estrutural do Plano A, nosso plano de sustentabilidade. Para nós, isso significa identificar as áreas em que exercemos maior impacto e nas quais temos maior oportunidade de influir. Com a crescente escassez de recursos, será cada vez mais importante fortalecer nossa cadeia de suprimentos. É decisivo atuarmos agora tendo em vista o futuro”.
A cada ano, estima-se que sejam perdidos serviços ecossistêmicos equivalentes a cerca de €50 bilhões, considerando apenas os ecossistemas terrestres . Essa perda tem importantes implicações para a viabilidade a longo prazo das empresas que dependem desses serviços, particularmente aquelas com cadeias de suprimento agrícolas. O progressivo declínio dos serviços ecossistêmicos e da biodiversidade se traduz cada vez mais no fato de os riscos e oportunidades de negócios estarem ligados aos riscos de reputação, à segurança de suprimentos e ao cumprimento de normas legais.
O relatório incentiva os investidores a se capacitarem para lidar com essa questão e a condicionarem seus investimentos ao desempenho das empresas nessa área. Ele estimula as empresas a se posicionarem mais explicitamente sobre a questão e a adotarem processos que lhes permitam melhor compreender e gerir não só os impactos exercidos sobre a biodiversidade e a dependência frente a esta, mas também os riscos associados.
O declínio nos serviços ecossistêmicos é o próximo grande desafio para a sociedade e os negócios. Referindo-se aos pontos fracos salientados pelo relatório, Bob Welsh, CEO do VicSuper, um dos principais fundos de pensão da Austrália, declara: “Incentivamos as empresas a enfrentarem esse desafio e a focalizarem alguns dos pontos frágeis evidenciados por este estudo da Iniciativa Valor Natural”.
Outras informações
- Serviços ecossistêmicos — também chamados ‘serviços ambientais’ ou ‘serviços ecológicos’ — são os benefícios que se obtêm de ecossistemas. Exemplos: água doce, madeira, regulação climática, proteção de desastres naturais, controle da erosão e recreação. A própria biodiversidade desempenha um papel vital na sustentação de nosso sistema agrícola – seja proporcionando polinizadores, regulando a qualidade e quantidade de água ou garantindo a qualidade do solo. Uma empresa depende de um serviço ecossistêmico se esse serviço funciona como um suprimento ou se ele permite, beneficia ou influencia as condições ambientais necessárias para o sucesso no desempenho empresarial. Uma empresa exerce impacto sobre um serviço ecossistêmico se ela afeta a quantidade ou qualidade desse serviço. Fonte: C. Hanson et al. (2008) The Corporate Ecosystem Services Review.
- A ferramenta Ecosystem Services Benchmark foi aplicada de setembro de 2008 a março de 2009 com base em informações disponíveis ao público (sites de empresas, relatórios ambientais ou de sustentabilidade, relatórios anuais e pesquisas nos meios de comunicação). Ela abrange cinco categorias de desempenho interdependentes. Vantagem competitiva, Governança, Política e estratégia, Gestão e implementação e Comunicação.
- Iniciativa Valor Natural: A Iniciativa Valor Natural (The Natural Value Initiative – NVI) – liderada pela Fauna & Flora International (FFI) em colaboração com a Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA IF) e a Fundação Getulio Vargas (FGV) – tem por objetivo criar uma ferramenta para capacitar os investidores institucionais a compreenderem os riscos e oportunidades relativos aos impactos e à dependência de seus investimentos, em termos de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos.
- Fauna & Flora International (FFI): A FFI protege mundialmente espécies e ecossistemas ameaçados, selecionando soluções que sejam sustentáveis, que se respaldem em sólido conhecimento científico e que levem em conta as necessidades humanas. Operando em mais de 40 países – principalmente no mundo em desenvolvimento – a FFI previne a extinção de espécies e a destruição de hábitats, ao mesmo tempo em que promove melhorias nos meios de vida de populações locais. Fundada em 1903, a FFI, entidade de utilidade pública registrada, é a instituição conservacionista internacional de mais longo histórico no mundo (www.fauna-flora.org).
- Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA IF): A Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme Finance Initiative – PNUMA IF) é uma parceria público-privada entre o PNUMA e o setor financeiro global. A PNUMA IF trabalha com mais de 170 instituições financeiras signatárias das Declarações PNUMA IF e com um conjunto de organizações parceiras que desenvolvem e promovem conexões entre meio ambiente, sustentabilidade e desempenho financeiro (http://www.unepfi.orghttp://www.onu-brasil.org.br/agencias_pnuma.php.
- A Fundação Getulio Vargas (FGV) é uma escola pioneira em educação em negócios no Brasil e um dos principais centros de ensino, pesquisa e consultoria em negócios, não só no país, mas na América do Sul. Seu Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) visa disseminar o conceito e as práticas de sustentabilidade por meio de atividades educacionais, treinamento, pesquisa, publicações e comunicação (http://www.ces.fgvsp.br).
Empresas avaliadas
- Produtores: Açúcar Guarani (ACGU3), Bunge (BG), COSAN (CZZ), Grupo André Maggi, SLC Agrícola (SLCE3), United Plantations (UTDPLT)
- Processadores: Cadbury plc (CBRY), Dean Foods (DF), Groupe Danone (BN), Hain Celestial (HAIN), Nestlé (NESN), Parmalat Brazil (LCSA4), Sadia (SDA), Unilever (UN)
- Tabaco: Alliance One International (AOI), British American Tobacco (BATS), Imperial Tobacco Group (IMT), Philip Morris International (PM)
- Bebidas: "Coca-Cola Company (KO)" Diageo plc (DGE), Foster’s Group (FGL), Heineken N.V. (HEIA), PepsiCo (PEP), SABMiller plc (SAB)
- Varejistas: Ahold (AH), Carrefour (CA), M&S (MKS), Sainsbury’s (SBRY), Tesco (TSCO), Wal-Mart (WMT), Woolworths (WOW)
As empresas foram selecionadas com base no interesse dos investidores que colaboraram durante o período de análise e de modo a assegurar a representação de todos os estágios da cadeia de suprimentos e de instituições tanto do mundo desenvolvido quanto em desenvolvimento. Elegemos o Brasil como foco em razão do papel vital que o país desempenha na rede global de alimentos e em função da crescente conscientização e envolvimento do setor privado que opera no país, em termos de questões sociais e ambientais.
Publicação disponível
Linking shareholder and natural value (Conectando o investidor e o valor natural).
Para obter uma cópia do relatório completo, entre em contato com Annelisa.grigg@fauna-flora.org
(GVces, 22/10/2009)