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escassez de água abastecimento de água seca na venezuela
2009-11-03

Para críticos, problema evidencia falta de investimentos e má administração. Caracas passará por cortes no fornecimento de até 48 horas; Chávez relaciona escassez com o clima e o crescimento econômico

Agachada para encher um balde com água de uma fonte natural que flui do alto de uma colina ao lado de uma rua esburacada na periferia de Caracas, Yenny Gonzalez reconhece que essa pode não ser a fonte de água mais conveniente -mas, pelo menos, é confiável. É mais do que se pode dizer sobre o sistema público de abastecimento de água da cidade. Os moradores da capital venezuelana se preparam para um racionamento drástico, enquanto os serviços públicos no país rico em petróleo afundam em crise crescente, ameaçando prejudicar a base de apoio do presidente Hugo Chávez.

A partir desta segunda (02/11) -e possivelmente até maio ou junho de 2010-, Caracas ficará sem água por até 48 horas por semana. Nesta semana também começa o racionamento de energia, que visa reduzir o consumo nacional em 20%. Yenny se diz indiferente ao racionamento de água: há mais de um mês ela não recebe água encanada no barraco em que vive em uma favela de Caracas. "Mas estou preocupada com os blecautes", diz ela. "Nunca antes foi assim."

O líder populista venezuelano afirma que a escassez de água decorre do clima mais seco nos últimos 40 anos, que também intensificou o problema dos blecautes. Cerca de três quartos da eletricidade na Venezuela vêm de hidrelétricas, cujos reservatórios caíram para os níveis mais baixos já vistos. Chávez diz que o aumento do consumo causado pelo crescimento econômico do país veio a exacerbar o problema.

Críticos do governo alegam que, apesar de a Venezuela ter sido inundada por petrodólares nos últimos anos, na medida em que os preços da energia subiram, a insuficiência dos investimentos na manutenção e ampliação das redes de água e eletricidade está na raiz do problema. Eles apontam também para a má administração crônica, falhas de planejamento e até mesmo corrupção. Além disso, o congelamento das tarifas não incentivou a conservação de água ou eletricidade.

Chávez está exortando os venezuelanos a reduzirem o desperdício. Diz que devem limitar-se a três minutos sob o chuveiro, reduzir uso de ar condicionado e desligar televisão e luzes quando não estiverem em uso. O presidente acrescenta que os maiores culpados são os ricos e ameaçou cortar o fornecimento de luz a um shopping emblemático.

Aula de banho
O verborrágico líder venezuelano, que lidera o que chama de "Revolução Bolivariana" e afirma que seu objetivo é a criação do "homem novo", também fez críticas às pessoas que passam meia hora cantando debaixo do chuveiro. "Já contei: três minutos é mais que suficiente, e posso garantir a vocês que eu não cheiro mal. Um minuto para se molhar, outro para se ensaboar e o terceiro para se enxaguar. O resto é desperdício", disse Chávez, elogiando as qualidades revigorantes dos banhos frios.

Poucos venezuelanos deixam de tomar nota da ironia do fato de a falta de água e luz estar ocorrendo em um país que, segundo Chávez se gaba com frequência, possui reservas de petróleo maiores do que as da Arábia Saudita, além de um dos maiores sistemas fluviais da América do Sul.

Muitos não se deixam convencer pelas tentativas de Chávez de atribuir a responsabilidade pelos cortes de água e luz ao fenômeno conhecido como "El Niño" -aquecimento cíclico natural do oceano Pacífico. "Não é o "El Niño" que está na raiz do problema", diz Norberto Bausson, diretor do Instituto Municipal de Água e Aquedutos de Sucre, Estado ao leste de Caracas, que é controlado pela oposição. Para ele, o racionamento é causado pela alta de demanda decorrente do crescimento demográfico e do aumento do consumo per capita, enquanto a ausência de investimentos infraestruturais levou a oferta a ser menor hoje do que era uma década atrás.

Problemas semelhantes explicam os cortes de eletricidade, mas analistas dizem que a crise é ainda mais grave, entre outras razões, porque os blecautes causam mais prejuízos do que a intermitência do fornecimento de água -que pode ser armazenada com relativa facilidade-, enquanto o aumento da capacidade de geração elétrica levará anos. Chávez parece ter reconhecido a gravidade da questão, tanto que recentemente criou um Ministério da Eletricidade.

Victor Poleo, que foi vice-ministro da Eletricidade de 1999 a 2001, acha que a corrupção é a principal razão pela qual foi gasto menos de um quarto dos US$ 643 milhões previstos no Orçamento para projetos de infraestrutura de transmissão de eletricidade entre 2001 e 2005.

Na verdade, menos de 10% da capacidade adicional de geração elétrica avaliada como necessária há dez anos foi instalada até hoje. Além da crise nos serviços públicos, os venezuelanos enfrentam um dos mais altos índices de criminalidade do mundo, sem falar em uma inflação galopante. Tudo isso erodiu os índices de aprovação de Chávez em até dez pontos percentuais nos últimos 12 meses.

O cientista político Gregory Wilperti, simpatizante de Chávez, diz que esses problemas podem afetar a performance do presidente nas cruciais eleições legislativas de 2010. "Se o problema da eletricidade se agravar, ou até mesmo se não melhorar, o governo pode enfrentar problemas sérios."

(Por Benedict Mander, Financial Times / Folha de S. Paulo, com tradução de Clara Allain, 01/11/2009)


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