A pressão para que o Brasil assine o Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que permitiria inspeções não programadas em suas unidades de enriquecimento de urânio, provocou embate entre estrangeiros e brasileiros durante seminário nesta sexta (31/10) no Rio.
A pressão mais forte veio do ex-chanceler australiano Gareth Evans, do parlamentar alemão Rolf Mützenich e do belga Pierre Goldschmidt, ex-diretor de Salvaguardas da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). No seminário, promovido pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) para discutir a conferência de revisão do TNP, marcada para maio de 2010, os dois últimos chegaram a insinuar que o programa nuclear brasileiro teria fins ocultos. "Afirmar que o Brasil proíbe em sua Constituição o desenvolvimento de armas atômicas não é mais suficiente", disse Goldschmidt.
A defesa do protocolo também foi feita, sem menção ao Brasil, pela representante especial da Casa Branca para Assuntos de Não Proliferação, Susan Burk, e por Christian Burgsmüller, representante da União Europeia. O argumento principal é que o país deveria "dar exemplo" aos que resistem a assinar o protocolo ou, como no caso do Irã, tentaram esconder da AIEA a quantidade de urânio enriquecido produzida.
Os participantes brasileiros reagiram. "O Brasil cumpre todas as normas da AIEA e acredito que eventualmente assinará o Protocolo Adicional, mas não fará isso diante de uma intimação e acusações que não são legítimas", afirmou o embaixador aposentado Marcos de Azambuja, do Cebri, sob aplausos de boa parte dos cerca de 300 espectadores.
Sérgio Duarte de Queiroz, diplomata que é alto representante do secretário-geral da ONU para o Desarmamento, atacou Goldschmidt por citar declaração do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) a favor da bomba: "Dar crédito a opiniões individuais não é justo". O Protocolo Adicional, de 1997, visa detectar defasagens entre a quantidade e o teor do urânio enriquecido declarados pelos países e a realidade. Foi ratificado por 93 dos 189 membros do TNP.
A adesão é voluntária, mas os países sem a bomba foram pressionados pelas cinco potências atômicas reconhecidas (EUA, Rússia, França e Reino Unido) a aderir. As potências não têm a obrigação de submeter todas as suas instalações a inspeções. O Brasil argumenta que o protocolo é importante para recalcitrantes, mas que seu caráter de "não confiança" não se aplica a seu histórico de signatário de três tratados de não proliferação -o próprio TNP, o Tratado de Tlatelolco e o acordo que criou a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, de fiscalização mútua.
Leonam dos Santos Guimarães, da Eletronuclear, apontou que o país é o único que permite inspeções nas instalações militares de pesquisa, em Aramar (SP) -onde o urânio é enriquecido a 20%, o teto permitido para fins pacíficos pelo TNP. O urânio combustível das usinas de energia é enriquecido a 3%, em Resende (RJ).
Barganha
Mas há um elemento de barganha política. "A bola está do outro lado do campo. Nossa posição é uma alavanca adicional para levar os que têm armas a se desarmar", disse Azambuja. Por trás do embate está a divisão que pode implodir a revisão do TNP: como equilibrar a obrigação das potências de cortar seus arsenais com a obrigação dos demais de não produzir a bomba.
Susan Burk defendeu que o compromisso declarado por Barack Obama de buscar a redução dos arsenais mostra que há "clima para avanços". "Os EUA estão preparados para liderar pelo exemplo." Mas o especialista indiano Ramesh Thakur disse que uma posição "realista", levando em conta a existência de ao menos três países com a bomba fora do TNP -Índia, Paquistão e Israel-, exige acordo global suplementar, só sobre desarme.
(Por Claudia Antunes, Folha de S. Paulo, 31/10/2009)