O governo se prepara para definir, na próxima terça-feira (03/11), a meta de redução de emissões que o Brasil levará à conferência sobre mudança do clima de Copenhague, em dezembro. Caso opte pela proposta de "consenso", de oferecer como compromisso brasileiro apenas a redução do desmatamento na Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará não apenas abdicando do papel de liderança que diz querer ter, como também cometendo um ato de enrolação climática.
Lula precisa decidir entre duas propostas atualmente na mesa. Uma vem do Ministério do Meio Ambiente, que quer que o Brasil faça um desvio de 40% em sua trajetória de emissões até 2020, devolvendo-as aos níveis de 1990.
A outra, puxada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e defendida pelo Itamaraty, postula que o Brasil coloque na mesa apenas a proposta de reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia até 2020. Na prática, isso representaria um desvio de 20% em relação ao cenário tendencial de CO2.
A vida continua
Reduzir o desmatamento é um bom começo. Hoje, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente e de um estudo do grupo de Carlos Cerri, da USP, o desmate responde por cerca de 50% das emissões. Uma redução de 80% do desmatamento amazônico (que já não é fácil de cumprir) teria um efeito imediato considerável sobre a trajetória brasileira.
O diabo é que o mundo não acaba em 2020. E as emissões brasileiras nos setores realmente atrelados ao PIB continuarão crescendo após 2020, como cresceram inexoravelmente nos últimos 15 anos.
O desmatamento na Amazônia é, quase todo, produto de crime. Não está atrelado ao crescimento econômico. À exceção da queda quase consistente nos últimos quatro anos, não tem uma trajetória definida. Como qualquer crime, varia em função de estímulo (ou omissão) oficial e repressão. Nesse sentido, é quase um "ruído", que mascara as reais emissões da economia nacional.
Benefício anulado
Já os setores agropecuário e energético só fazem crescer. Segundo Cerri, a alta desde 1990 foi de 65% nas emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis e 38% nas emissões da agropecuária. Tudo acima do PIB e bem acima da média mundial de crescimento de emissões, 28%.
Se mantido nesse ritmo, o crescimento das emissões desses setores anularia já em 2030 o benefício obtido pela redução do desmatamento. Em vez de um pico e um declínio a partir de 2020 -que é o que se espera que aconteça com as emissões do mundo todo-, o Brasil teria um declínio e uma alta.
Isso é ruim não só por colocar o Brasil na contramão do esforço global, mas também porque o custo de cortes futuros só faz aumentar. A Indonésia, cujas emissões são ainda maiores que as do Brasil, ofereceu uma proposta mais ousada: 26% de corte incondicional, 41% condicionados a ajuda internacional.
Uma coisa é o Ministério da Ciência e Tecnologia se opor por razões técnicas aos cálculos feitos pela equipe do ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente -que já estão sendo refeitos, com ajuda do próprio MCT. Outra coisa é jogar fora o proverbial bebê com a água do banho e aferrar-se a um compromisso que tem cara de ambicioso, mas que, se olhado de perto, é bem modesto.
(Por Claudio Angelo, Folha de S. Paulo, 30/10/2009)