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mst violência rural
2009-10-29

O Juiz de Direito da Vara Criminal de São Gabriel, José Pedro de Oliveira Eckert, recebeu parcialmente nesta quarta-feira, 28/10, a denúncia formulada pelo Ministério Público local contra o integrante da Brigada Militar, Alexandre Curto dos Santos, acusando-o de ter cometido o homicídio do integrante do Movimento dos Sem-Terra Elton Brum da Silva.

A morte ocorreu durante a desocupação da Fazenda Southall em operação realizada pela força pública na manhã de 21 de agosto, no interior de São Gabriel, Município da campanha gaúcha.

O magistrado rejeitou a parte da denúncia em que o MP apontava ter o indiciado agido de modo a dificultar a defesa do falecido.  Cabe recurso da decisão ao Tribunal de Justiça.

O Juiz Eckert informou na decisão que o então indiciado Alexandre, inquirido na fase policial, confessou ter efetuado o disparo que vitimou o integrante do MST Elton. Alegou, no entanto, que teria trocado sem perceber a sua espingarda calibre 12, municiada apenas com munição antimotim, com a de um colega, que continha um cartucho letal.  O soldado afirmou ainda que teria efetuado o disparo em legítima defesa de outro soldado a cavalo que estaria sendo atacado.

O Ministério Público afirma que o homicídio foi praticado mediante recurso que “dificultou a defesa da vítima”, ao referir que Elton foi alvejado pelas costas, completamente desarmado e alheio ao confronto protagonizado pela Brigada Militar e outros integrantes do MST.

Relata o Juiz que os integrantes do MST alegaram que a Brigada não buscou desde o início uma via conciliatória para a desocupação, agindo com violência e truculência, fato que teria motivado o revide como forma de defesa.  Por outro lado, os policiais militares afirmaram terem sido recebidos com foices, pedras, barras de ferro e paus e que os integrantes do MST resistiram à saída da área. 

Afirmou o Juiz Eckert que “a vítima participou de forma efetiva do movimento de resistência à atuação da Brigada Militar, como se decalca das fotografias de fls. 622 a 633, (...)”. Para o magistrado, “o fato de a vítima ter sido alvejada pelas costas e se encontrar desarmada” não significa que tenha sido dificultada a defesa da vítima, pois ambos estavam em meio a uma batalha campal.

O réu deverá ser processado pelo delito previsto no art. 121, caput, do Código Penal – homicídio simples, com a pena prevista de reclusão, de seis a 20 anos.

Após o período de instrução do processo, o magistrado definirá se o réu será julgado pelo Tribunal do Júri.

Abaixo, a íntegra da decisão.

Proc. 20900023900 (Comarca de São Gabriel)

Vistos, etc.

Primeiramente, cumpre dizer que, desde o advento da Constituição Cidadã, a fundamentação de toda e qualquer decisão judicial mostra-se imperativa, sob pena de nulidade. Tal exigência é inerente ao próprio Estado Democrático de Direito

Neste contexto, também se enquadra o recebimento da denúncia. Referida decisão revela-se como primeiro filtro judicial da atividade persecutória do Estado-Acusação. De efeito, somente será viável dar prosseguimento a ação penal na exata medida em que elementos informativos lhe lastreiem a necessária e inafastável justa causa.

Sobre o tema, trago à baila a lição do Des. José Antonio Paganella Boschi, “O devido processo legal: escudo de proteção do acusado e a praxis pretoriana”, Revista da AJURIS n.º 101, pp. 154 a 156, in verbis:

“j) Fundamentação das decisões judiciais

Condição de validade dos pronunciamentos judiciais é que sejam fundamentados, como propõe o inciso IX do artigo 93 da CF.

A fundamentação, desse modo, é outra pedra de toque do Estado Democrático de Direito, que, ao contrário do estado Totalitário, se justifica, isto é, se explica, perante os seus cidadãos.

Resulta fácil percebe,r então, que fundamentação da decisão judicial constitui atividade de intensa criação da inteligência e da vontade do juiz, não sendo, portanto, “um pedaço de lógica, nem tampouco uma norma pura” como ensinava Couture.

(...)

Embora a clareza do texto constitucional, a jurisprudência ainda perfilha a orientação de que o recebimento da denúncia é um mero despacho e que por depender o juízo de admissibilidade de 'confirmação no curso da ação penal', o recebimento não precisa ser fundamentado.

Há equívocos. Não é mero despacho de expediente e sim uma decisão, com carga decisória, aquela que admite a acusação, pois o juiz precisa, quando do exame da admissibilidade da denúncia ou queixa, aferir a presença de pressupostos processuais, das condições da ação da justa causa. Conforme assinala Tucci, “é absolutamente necessário que o órgão jurisdicional justifique a presença de fundamento razoável da acusação e de legítimo interesse, em consonância e perfeita harmonia com os elementos colhidos nos autos da investigação criminal ou constantes das peças de informação”.

Tecida esta consideração inicial, impositivo arrostar a versão acusatória e os elementos informativos colhidos na etapa inquisitorial, a fim de aferir a presença dos requisitos legais exigidos para o recebimento da denúncia.

A materialidade do crime restou estadeada no auto de necropsia e no mapa de região anatômica referente à necropsia da vítima, respectivamente constante nas fls. 113 a 117, 756 e 757, bem como pela prova oral coligida no curso do Inquérito Policial.

No que pertine aos indícios da autoria do delito, calham as seguintes considerações.

O indiciado Alexandre Curto dos Santos, inquirido na fase policial, confessou ter efetuado o disparo que vitimou o integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Elton Brum da Sillva. Entrementes, alegou que ocorreu troca inadvertida de sua espingarda calibre 12 [que se encontrava municiada somente com cartuchos anti-motim] com a de seu colega, o Soldado Cortez, que continha um cartucho letal e quatro anti-motim, antes do início da operação de desocupação da Fazenda Southall, fato que desconhecia. Sustentou, ainda, ter efetuado o disparo contra a vítima em legítima de defesa de terceiro, outro brigada que estava a cavalo que teria sido atacado. Nesse sentido, vide suas declarações contidas nas fls. 163 a 170 e 258 a 263.

A apreciação da versão de auto-defesa do indiciado não pode ser aprofundada em sede de decisão portal, devendo ser objeto de apreciação no momento processual oportuno, qual seja, quando do término da primeira fase do procedimento ou no plenário do Tribunal do Júri.

Releva notar que a tese acusatória com relação ao crime de homicídio encontra arrimo na orientação repassada pela Brigada Militar aos seus integrantes relativamente aos cuidados [dentre os quais a utilização de munição apropriada – anti-motim] a serem observados para a realização da diligência de desocupação da área invadida. Ademais, há nos autos relatos reiterados por parte de policiais militares no sentido de que as armas de cor laranja, como a utilizada pelo indiciado, são anti-motim, não sendo comum ser a mesma municiada com cartuchos letais.

Destaco que, as declarações do indiciado, com relação à autoria do disparo, estão em consonância com o que restou apurado no exame pericial de fls. 282 a 303.

Portanto, concluo implementados os requisitos legais mínimos para o processamento da presente ação penal quanto ao crime de homicídio.

No que pertine à qualificadora capitulada na exordial acusatória, impende fulminá-la de plano, visto que divorciada dos elementos inquisitoriais traçados no Inquérito Policial.

A sempre nobre e culta agente Parquetiana aduziu que o homicídio foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, referindo para tanto que Elton Brum da Silva foi alvejado pelas costas, completamente desarmado e alheio ao confronto protagonizado pela Brigada Militar e outros integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

Ocorre que os elementos informativos contidos no caderno inquisitório não contemplam a possibilidade da inserção da qualificado em tela, pelos motivos que passo a expor.

Das dezenas de depoimentos coletados no curso da investigação, é possível se extrair que, na data do fato, se travou entre os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e da Brigada Militar verdadeira batalha campal.

Para se ter uma dimensão do ocorrido na oportunidade, basta se ver a situação do conflito, estampada no levantamento fotográfico de fls. 11 a 13, 622 a 633, 635 e 725.

Os motivos que acarretaram tamanho tumulto são, evidentemente, antagônicos.

De um lado, alegaram os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, que a Brigada Militar não buscou, desde o início, uma via conciliatória para a desocupação da área, agindo com violência e truculência, fato que motivou revide como forma de defesa. Vide a propósito, os termos de declarações [dentre outros] contidos nas fls. 77 a 94.

De outra banda, os brigadas asseveraram que os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, resistiram a desocupação da Fazenda Southall, tendo-lhes recebido munidos de foices, pedras, barras de ferro e paus. Ver, nesse sentido, as declarações vertidas [dentre outras] nas fls. 23, 25, 26, 28, 30, 42, 43, 45, 47, 146 a 151.

Como forma de articulação de resistência e de defesa, os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST fizeram barricada e formaram cordão de isolamento humano. A vítima participou de forma efetiva do movimento de resistência à atuação da Brigada Militar, como se decalca das fotografias de fls. 622 a 633, fato germinal do confronto generalizado suso anotado.

Assim, mostra-se de todo inviável a alegação da acusação no sentido da participação inofensiva e alheada da vítima no momento do confronto.

Cumpre grifar que, no contexto fático supra alinhado – de BATALHA CAMPAL, o fato da vítima ter sido alvejada pelas costas e se encontrar desarmada não tem o condão de qualificar o crime nos moldes propugnados por consistir em simples eventualidade, não tendo sido patenteado meio similar à traição, emboscada ou dissimulação. Diga-se ainda que a situação de conflituosidade anterior, faz arredar o efeito surpresa destacada na denúncia.

Com essa orientação, reproduzo a ementa do seguinte precedente jurisprudencial, oriundo da 2ª Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, in verbis:

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PORTE ILEGAL DE ARMA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO SIMPLES. IMPRONÚNCIA QUANTO AO PORTE. DUPLA IRRESIGNAÇÃO. I) INCONFORMIDADE DEFENSIVA. PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. Os dados extraídos dos autos não conseguem conferir a certeza absoluta no que tange ao ocorrido, o que significa, em se tratando de processo da competência do Tribunal do Júri que, efetivamente, a ele incumba a aferição dos fatos, por expressa disposição da Constituição Federal. Não há, pois, já agora, uma versão única, ou seja, que endosse de forma efetiva, categórica, a alegada situação de legítima defesa em prol do acusado, quer própria, quer de terceiros, visto que existe a outra narrativa advinda aos autos, que é em sentido diverso, servindo, no caso, como apoio ao que consta da peça acusatória. Incide, não custa lembrar, o principio do in dúbio pro societatis. II) INCONFORMIDADE MINISTERIAL. ART. 14 DA LEI 10.826/03. PEDIDO DE PRONÚNCIA QUANTO A ELE TAMBÉM. Compete ao Tribunal do Júri, na forma do art. 78, I, do CPP, examinar a matéria, diante da prova de materialidade e indícios suficientes de autoria. Outrossim, verifica-se que não há, ainda, ou seja, na presente fase, como retirar da pronúncia o delito do porte ilegal de arma sob a argumentação de ter havido a consunção. QUALIFICADORA DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PEDIDO DE INCLUSÃO NA DECISÃO DE PRONÚNCIA. Na espécie, não chegou a se evidenciar a aludida qualificadora, já que caracterizado, a partir da prova dos autos, o forte tumulto precedente, inexistindo dúvidas quanto à briga generalizada que então ocorreu, o que afasta, à evidência, o alegado fator surpresa, nos moldes como foi formulado na peça incoativa. RECURSO DEFENSIVO IMPROVIDO. RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO.” (Recurso em Sentido Estrito Nº 70025651779, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laís Rogéria Alves Barbosa, Julgado em 16/10/2008)

Logo, em face da ausência de elementos informativos a dar arrimo a qualificadora capitulada da denúncia, constitui a mesma overcharging, ou seja, excesso de acusação, a ser expungido pela presente decisão.

DIANTE DO EXPOSTO, RECEBO, EM PARTE, A DENÚNCIA, a fim de ser o réu Alexandre Curto dos Santos, processado criminalmente pelo delito previsto no art. 121, caput, do Código Penal.

REJEITO, pois, A DENÚNCIA, com relação à qualificadora do recurso que dificultou a defesa do ofendido.

Certificado o trânsito em julgado da presente decisão:

1 – considerando notícia veiculada no Jornal Zero Hora na data de 25-09-2009 de que o acusado se encontra sob proteção da Associação dos Cabos e Soldados da Brigada Militar em Porto Alegre1, DEPREQUE-SE sua citação e intimação à Comarca de Porto Alegre, no endereço Av. Veiga, 223, Porto Alegre – RS, fone (51) 3336-0538, para que, no prazo de 10 (dez) dias, responda à acusação por escrito, mediante defensor constituído, na forma do disposto no art. nos termos do artigo 406, do Código de Processo Penal, com nova redação dada pela Lei nº 11.719/2008, através de defensor constituído, caso tenham condições econômicas para tanto.

Se o réu não tiver meios financeiros para constituir defensor deverá procurar o escritório da Defensoria Pública do Estado, nos endereços abaixo relacionados, para que a mesma venha a patrocinar sua defesa, oportunidade em que deverá vir munido de documentação pessoal, bem como trazer o nome e endereço completo de eventuais testemunhas a amparar sua tese defensiva.

UNIDADE DE ATENDIMENTO E AJUIZAMENTO – SEDE CENTRAL

Rua Sete de Setembro, nº 666 – térreo e sobreloja Porto Alegre - RS

Cep: 90.010-190

Fones: (51) 3225-0133 e (51) 3225-0777

Foro Central de Porto Alegre – RS

Rua Márcio Luis Veras Vidor, n.º 10 – 3º, 4º e 10º andares

Cep: 90.110-160

Fone: (51) 3224-0777

O acusado deverá ser alertado de que este é o único momento processual que terá para articular sua tese defensiva, ou seja, poderá arguir preliminar e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documento e justificação, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas.

2 - atenda-se a diligência postulada pelo Ministério Público na denúncia.

Intimem-se.

Diligências legais.

(TJ-RS, 28/10/2009)
http://www.tjrs.jus.br/site_php/noticias/mostranoticia.php?assunto=1&categoria=1&item=91997

 


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