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etanol complexo sucroalcooleiro internacionalização de terras
2009-10-28

Após expansão eufórica e crise aguda, múltis aproveitam dificuldades para adquirir grandes usinas e já têm quase 20% da produção. Venda da tradicional usina Santelisa para franceses do Dreyfus é o último lance da crescente concentração e internacionalização do setor

A internacionalização do setor sucroenergético brasileiro deu mais um grande passo nesta terça (27/10). A tradicional empresa paulista Santelisa, com 70 anos e que tinha no comando as famílias Biagi e Junqueira Franco, passou para as mãos do grupo francês Louis Dreyfus, que já detinha a LDC Bioenergia. Da união das empresas, com 13 usinas no total, surge a LDC SEV, da qual 60% serão do gigante francês.

A transferência de mais um grupo para as mãos de estrangeiros -somada aos novos negócios que estão sendo avaliados- eleva para próximo de 20% a participação externa na produção do setor, um percentual que veio antes do que se imaginava e de forma diferente.
Se, no auge da euforia do setor, em 2007, quando o presidente Lula chamou os usineiros de "heróis nacionais e mundiais", imaginava-se que os estrangeiros viriam para investir em novas fábricas e aumentar a produção, hoje eles se aproveitam da crise aguda do setor para apenas adquirir ativos tradicionais, como a Santelisa.

E há novos negócios na mira das multinacionais, como a compra da Moema pela Bunge.
"Essa é apenas a primeira onda de investimentos estrangeiros", acredita João Sampaio, secretário da Agricultura de São Paulo. A segunda será ainda maior e virá com as petrolíferas estrangeiras, que já avaliam o setor. "A segunda onda virá com investimentos pesados dessas empresas, na compra das atuais ou na formação de outras", diz Sampaio.

Concentração
Está se concretizando mais cedo no setor sucroenergético o que o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues costuma definir como "o futuro do agronegócio brasileiro": concentração e internacionalização. Ao menos dez grupos estrangeiros já estão na produção brasileira desse setor, entre eles alguns dos mais atuantes no segmento de commodities, como Cargill, Bunge, Teréos, Adecoagro, Noble Group e até a petrolífera britânica BP.

Assim, o setor sucroenergético brasileiro toma um rumo bem diferente do da carne, em que a associação de empresas ocorreu dentro do país e, após criar musculatura, os frigoríficos foram comprar outras empresas no exterior. No caso do setor sucroenergético, as perspectivas eram boas tanto no mercado interno como no externo. Mas a segunda opção não se concretizou no curto prazo, principalmente para o álcool.

Embora as empresas ainda acreditem que essas perspectivas são favoráveis no médio prazo, a passagem dos últimos anos foi muito difícil. A Santelisa, formada pela união da Santa Elisa com a Vale do Rosário e que tinha planos de expansão, foi um caso emblemático.

A empresa foi atropelada pela crise vivida não só pelo setor sucroenergético mas também pelo estrangulamento do crédito provocado pela crise financeira internacional. Esse estrangulamento veio em um momento em que muitas delas estavam muito endividadas. No caso da Santelisa, a saída era a venda ou a associação com outros grupos. Após várias propostas, inclusive da líder Cosan, o negócio foi fechado com a Dreyfus, criando-se a LDC SEV, a segunda maior empresa mundial no setor de energia renovável. A Cosan é a primeira.

Frustração
"Os sentimentos [sobre essa transferência da empresa] são muitos", diz André Biagi. E frustração é um deles. "Parecia que o álcool ia dominar o mundo. Fizemos várias parcerias, empurrados pelos investimentos, pelo mercado e pelas perspectivas. Veio a crise, e a empresa foi pega no contrapé. Hoje, vemos que foi uma coisa muito arrojada", diz ele. Apesar de sentir frustração por não ter atingido os objetivos iniciais da Santelisa, Biagi diz que vê com conforto a saída menos traumática do que se imaginava há um ano. "Ganharam o setor, o mercado e os colaboradores", diz ele.

Mas o acordo final não foi fácil. Foram sete meses de negociações e muita dificuldade para chegar a um acerto devido ao grande número de participantes envolvidos. A nova empresa tem capacidade de moagem de 40 milhões de toneladas de cana, 2,7 milhões de toneladas de açúcar e 1,5 bilhão de litros de álcool.

Para se manter entre as líderes do setor, a LDC SEV tem um plano agressivo de expansão, diz o presidente-executivo, Bruno Melcher. Por isso, recebeu uma injeção de capital de R$ 800 milhões do grupo Dreyfus e de investidores financeiros, além de converter dívidas em patrimônio líquido. O valor da nova empresa está estimado em R$ 8 bilhões, e a companhia se prepara, também, para o lançamento de ações internamente, assim que o mercado apresentar condições mais favoráveis.

Capital estrangeiro troca projetos por usinas já construídas
Uma boa e uma má notícia para o setor de açúcar e álcool no Brasil. A boa: o investimento de multinacionais mostra que os fundamentos para o segmento são consistentes para os próximos anos. A má: ao contrário do que se esperava, o capital externo não vem para o chamado "green field", o campo verde, os novos projetos. Fica no "brown field", o campo marrom, usinas já construídas.

Essa é a avaliação de Marcos Fava Neves, professor de estratégia da USP-Ribeirão Preto, que coordenou o estudo "Mapeamento e Quantificação do Setor Sucroenergético", divulgado pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). "As multinacionais tinham projetos para novas usinas, mas os investimentos migraram para unidades estabelecidas."

Se o investimento viesse como "green field", os benefícios se espalhariam por outros elos da cadeia produtiva, a partir do setor de bens de capital -máquinas e equipamentos que servem para a produção de outros bens, afirma Neves.

Isso não ocorreu por causa da crise dos últimos anos, em que vários grupos nacionais investiram de forma arrojada, esperando uma demanda internacional por biocombustíveis que não se consumou. Os preços também não colaboraram. O agravamento da crise internacional em 2008 asfixiou o crédito e deixou as empresas com margem financeira limitada.

A consultoria KPMG apurou que, de 2000 a setembro deste ano, o setor de açúcar e álcool contou com 99 fusões e aquisições envolvendo empresas brasileiras. Apenas nos últimos três anos, foram 45, sendo 22 negócios de empresas de capital estrangeiro adquirindo unidades de capital brasileiro estabelecidas no país.

Comparação
Mesmo com o avanço da consolidação, Neves avalia que a participação estrangeira, que não chega a 20%, ainda é muito baixa no setor. "A questão da concentração está longe de ser preocupante." Ele compara com a indústria de suco de laranja. "Uma usina e uma fábrica exigem investimento semelhante, da ordem de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões.

Enquanto existem 15 fábricas de suco, há mais de 400 usinas." Ele prevê que, até o fim da próxima década, investidores de outros países terão até 40% do setor sucroenergético.
Segundo José Rezende, sócio da PricewaterhouseCoopers, é natural que esse processo de consolidação continue.

Um universo de 400 a 450 usinas no país é controlado por 140 a 160 grupos, estima. Segundo ele, a participação estrangeira no setor é de 15%. Eram 12% há quatro anos. Com o bom momento do mercado de açúcar, causado pelas quebras de safra na Índia, e com a demanda firme por álcool combustível por causa da frota flex, as empresas brasileiras ganharam dois anos de fôlego. Esse impulso, porém, não deve ser suficiente para companhias do setor replicarem a experiência de internacionalização de frigoríficos. "O espaço para a influência do etanol brasileiro se limita à América Central e à África, no futuro."

(Por Mauro Zafalon e Gitânio Fortes, Folha de S. Paulo, 28/10/2009)


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