Ibama se recusa a realizar audiências solicitadas pela população, mas ainda terá que responder à Justiça Federal. Pedido é para fazer audiências com todas as comunidades afetadas
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já respondeu negativamente à recomendação do Ministério Público para que realize as audiências públicas solicitadas pela população do Xingu para debater a hidrelétrica de Belo Monte, mas ainda terá que dar explicações à Justiça Federal, que pode obrigar o instituto a realizar os debates.
Uma ação judicial solicitando novas audiências em todos os municípios afetados tramita na Subseção Judiciária Federal de Altamira e pode ter decisão nos próximos dias. Procuradores da República e promotores de Justiça querem que o Ibama seja obrigado a atender o pedido com urgência porque entendem que o debate sobre Belo Monte não pode ser atropelado.
Para os responsáveis pela ação, tanto o Ibama quanto os empreendedores ignoraram a dimensão social da obra e seus impactos diretos sobre a vida de tantos cidadãos e devem dar a eles o direito de serem ouvidos e de terem esclarecidas suas dúvidas e inquietações, o que não aconteceu nas audiências feitas até agora.
O MP quer a anulação das audiências realizadas em quatro municípios nos dias 10, 12, 13 e 15 de setembro, porque a participação da população foi impedida e a manifestação dos representantes do MP, cerceada. Na audiência do dia 15 de setembro, em Belém, aconteceu o incidente mais grave. Metade das pessoas que queriam participar foi impedida por homens da Força Nacional. O MP tentou negociar a transferência da sessão para um local que comportasse todos os interessados, mas o Ibama permaneceu irredutível e procuradores e promotores se retiraram, em protesto.
“Será que 15 a 30 dias teriam um efeito tão desastroso sobre o licenciamento da obra?”, pergunta a ação, para depois lembrar o exemplo do licenciamento ambiental da obra de transposição do rio São Francisco, em que os técnicos do Ibama atenderam os anseios da população e realizaram todas as audiências solicitadas.
Realidade local
A realização das novas audiências poderá significar também respeito à realidade da população local. “Grande parte das terras indígenas, ribeirinhos e moradores de fazendas não têm acesso por estradas e o deslocamento demandaria horas de transporte fluvial”, lembra a ação do MP. Esses moradores, justamente os maiores impactados pela usina, ficaram de fora dos debates. “Ao prever quatro municípios diferentes em seis dias, o Ibama atrapalhou o comparecimento dos interessados e deixou os moradores com a sensação de que, em vez de debater o projeto, está preocupado em apressá-lo”, acrescenta o MP.
O procedimento apressado dificulta também as colaborações da sociedade civil no empreendimento. No caso de Belo Monte, a íntegra dos estudos de impacto só foi publicada nove dias antes da primeira audiência, o que dificultou o trabalho de vários cientistas, que enviaram relatos da situação ao MP. Os procuradores também receberam representação de lideranças indígenas, impedidas de entrar na audiência de Belém.
O processo que pede mais debate sobre o empreendimento de Belo Monte tramita com o número 2009.39.03.000575-6 e pode ser acompanhado por qualquer interessado pela internet no site da Justiça Federal.
Conheça os pedidos do MP para promover o debate sobre Belo Monte
Consciente do papel essencial da participação popular no licenciamento ambiental e seguros de que o atendimento meramente formal a um procedimento, sem que se tenha em vista a sua efetiva finalidade, não condiz com o comando constitucional, tem a presente a demanda por objeto:
1 - o reconhecimento da nulidade das audiências públicas realizadas para discutir o estudo de impacto ambiental (EIA) e o relatório de impacto ambiental (Rima) do empreendimento denominado aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, face ao cerceamento do direito de participação da sociedade civil e da violação do direito à informação, bem como cerceamento das prerrogativas institucionais do Ministério Público, além das irregularidades decorrentes do Regimento Interno das audiências públicas;
2 - imposição da obrigação de fazer no sentido de reabrir o prazo para requerimento de audiência pública pelos interessados, já que foi inobservado o prazo do artigo 2º, § 1º, da Resolução nº 09/87, pois a íntegra dos estudos só foi entregue nove dias antes da realização da primeira audiência, bem como anular as audiências realizadas e, ainda, realizar nos municípios e localidades de Placas, Uruará, Medicilândia, Pacajá, Anapu, Senador José Porfírio, Porto de Moz, Gurupá, localidades de Belo Monte, Santo Antonio e travessões, além da margem direita do Xingu e as localidades de Ressaca, Fazenda e Galo, no município de Senador José Porfírio, Travessão Cenec, Travessão Km 45 Cobra-Choca (Volta Grande, Vitória do Xingu), Assurini (PA Assurini, PA Itapuama, PA Arara, PA Ressaca), na Agrovila Sol Nascente, Travessão do Km 27, TI Arara da Volta Grande do Xingu, TI Paquiçambá, MMCC-TA - Movimento de Mulheres, Vitória do Xingu, Arroz Cru, São Pedro, Resex do Xingu - Comunidade Morro Grande, Agrovila Leonardo da Vinci, Resex do Iriri e Riozinho do Anfrísio - Comunidade Morro (Riozinho do Anfrísio) e Terra Indígena Tukumã, em razão da extensão dos impactos decorrentes do Projeto de Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte afetarem a população dos referidos locais, garantindo a ampla participação de todos os interessados;
3 - imposição da obrigação de não fazer no sentido impedir o órgão licenciador de dar prosseguimento ao procedimento de licenciamento ambiental do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, enquanto não realizadas efetivamente as audiências públicas, em que se garanta efetivamente a participação popular e o direito à informação;
4 - imposição de obrigação de fazer no sentido de assegurar o pleno exercício das prerrogativas institucionais do Ministério Público consistente em integrar a mesa deliberativa das audiências, bem como manifestar-se, inclusive por meio suas assessorias técnicas, por tempo não inferior a ao tempo destinado ao soma daquele utilizado pelo empreendedor e pela equipe técnica responsável pelo EIA/Rima, podendo intervir pela ordem em qualquer fase do procedimento para demonstrar omissões, contradições ou deficiências.
(Ascom MPF/PA / Procuradoria Geral da República, 22/10/2009)