Está nas mãos do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), o novo parecer da Procuradoria Geral da República sobre a Lei de Biossegurança. No documento, que chegou esta semana ao ministro, a vice-procuradora Deborah Duprat reafirma a inconstitucionalidade de 24 artigos da Lei 11.105.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade, quando julgada, pode dar um novo rumo à utilização de transgênicos no Brasil. O país é signatário de diversos acordos internacionais, como o Protocolo de Cartagena, que estabelece regras mundiais para exportação e importação de transgênicos, mas no geral tem prevalecido a posição comercial a respeito dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM), o que resulta na liberação de venda e de consumo.
A Procuradoria entende que, entre outras coisas, a Lei de Biossegurança fere o princípio constitucional da precaução, que tem a função expressa no nome: precaver-se quando não há certeza sobre os efeitos de uma decisão. Deborah Duprat argumenta que os riscos de OGMs ao meio ambiente estão expressos no próprio Protocolo de Cartagena, e o Brasil, como aderiu ao acordo, deve respeitar a precaução.
A Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), que reúne os cientistas brasileiros a favor da modificação genética, entende que já há precaução demais por haver uma lei específica sobre o assunto. A entidade defende que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável pela liberação de transgênicos, tem processos rigorosos de avaliação.
Reginaldo Minaré, diretor Jurídico da Anbio, aponta à Rede Brasil Atual que há uma série de passos a serem atendidos até que uma semente transgênica tenha liberação comercial. “A estrutura que foi construída é mais do que suficiente para atender ao princípio da precaução. Acredito que a procuradora não conhece o funcionamento da lei, porque se conhecesse teria ciência de que é mais do que cumprido o princípio da precaução”, afirma.
Deborah Duprat discorda e aponta em seu parecer que a CTNBio, ao ter competência exclusiva sobre o tema, desrespeita a Constituição, que prevê a competência comum de União, estados e municípios na proteção do meio ambiente. “Não mais será a natureza da atividade desenvolvida pelo empreendedor que definirá a realização do processo de licenciamento, mas sim a opinião de uma comissão técnica, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia”, argumenta.
A mesma posição é defendida por Juliana Avanci, advogada da organização Terra de Direitos, para quem o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) teria direito de definir sobre o assunto. “A gente tem percebido que a preocupação da comissão (CTNBio) é liberar comercialmente. É uma preocupação voltada ao interesse econômico hegemônico, e não ao interesse social. O que a gente pode concluir é que têm sido priorizado os grandes interesses”, afirma.
Efeitos
Caso a Lei de Biossegurança seja julgada inconstitucional pelo STF, os efeitos podem ser os mais diversos e é difícil calcular as proporções da medida. A revisão de todos os processos de liberação comercial de transgênicos poderia modificar a estrutura agrária brasileira, ainda que muitas das alterações realizadas nos últimos anos sejam irreversíveis ou levariam anos para voltar ao ponto anterior.
Para que se tenha uma ideia, o Censo Agropecuário do IBGE, divulgado em setembro, mostrou que 46% da soja produzida no país em 2006 era transgênica – e o número vem aumentando desde então, a ponto de o Paraná, estado que tem a política mais forte de incentivo ao cultivo tradicional, apontar que há algumas propriedades em seu território que produzem com sementes OGM. Alguns países da Europa, por exemplo, rejeitam hoje em dia o recebimento de alimentos transgênicos, e o Brasil falha na tarefa de garantir a separação entre modificados e convencionais, perdendo mercado.
A mistura, de acordo com estudos conduzidos pelo governo paranaense, ocorre antes mesmo da colheita. No caso do milho, em que é possível a fecundação cruzada, aquela entre duas sementes, a distância de 100 metros que deve ser mantida entre as lavouras transgênicas e as tradicionais não é considerada segura por entidades anti-transgenia. Juliana Avanci entende que essa distância desrespeita o direito do agricultor de escolher o sistema produtivo e do consumidor de eleger o que vai ingerir.
A Anbio, por outro lado, entende que a distância é suficiente e aponta que não se trata de uma questão de segurança, uma vez que considera que não há risco para a saúde humana no consumo de transgênicos. Para Reginaldo Minaré, a regra diz respeito à coexistência de culturas. “Esse distanciamento estabelecido pela CTNBio, e que o Ministério da Agricultura concordou, acredito que seja eficaz e suficiente. Cabe ao Ministério da Agricultura e às secretarias estaduais fiscalizar para que o agricultor cumpra efetivamente isso”, aponta.
A Procuradoria Geral da República entende ser fundamental a convocação de audiências públicas para debater acerca desse e de outros temas. Deborah Duprat defende também que é preciso que sejam apresentados Estudos de Impacto Ambiental, mecanismos previstos pelo artigo 225 da Constituição para atividades que possam gerar alterações no meio ambiente.
(Por João Peres, Rede Brasil Atual, 23/10/2009)