Considerado pai do acordo de Kyoto, argentino Raúl Estrada pede que conferência do clima seja "reconvocada" para 2010. Segundo embaixador, falta de lei americana contra CO2 limita progresso, e nem a presença de Barack Obama salvaria a cúpula do clima
Raúl Estrada-Oyuela devolve ao jornalista a pergunta sobre se haverá acordo na conferência do clima de Copenhague: "Acordo sobre o quê"? O embaixador argentino, 71, diz que "não se pode ter" um acordo ambicioso de combate ao aquecimento global em dezembro na capital dinamarquesa. O motivo é o de sempre: os EUA não estão prontos, e não há acordo possível sem o maior poluidor do planeta.
Além disso, afirma, a ministra de Energia da Dinamarca, Connie Hedegaard, responsável por liderar as negociações, provavelmente não é o melhor nome. Hedegaard tem defendido agressivamente a postura europeia de cortes ambiciosos de emissões, e conta com a desconfiança de vários países. "Os dinamarqueses têm tido uma posição agressiva demais para poderem exercer a liderança."
Estrada sabe uma coisa ou outra sobre esse tipo de negociação. Foi ele quem presidiu, em 1997, a conferência do clima de Kyoto, Japão, que deu origem ao tratado climático vigente -e que o acordo de Copenhague deveria ampliar. Em um artigo publicado na última quinta-feira (22/10) no periódico "Nature", o diplomata afirma que o ideal seria que a conferência fosse interrompida e reconvocada no meio do ano que vem, para que os EUA tenham tempo de aprovar, no Congresso, a lei de mudanças climáticas que estabelece metas nacionais de redução de gases de efeito estufa.
A lei, aprovada neste ano na Câmara dos Representantes (deputados), aguarda votação no Senado. Sem o aval do Congresso, o maior emissor histórico global não pode se comprometer com metas em Copenhague. No entanto, o presidente Barack Obama está investindo seu cacife parlamentar na reforma do sistema de saúde dos EUA, e a maioria dos analistas considera remota a possibilidade de o Senado votar a lei do clima antes de dezembro.
"Que haverá acordo, haverá, mas não será minucioso como se desejava", disse Estrada por telefone à Folha, de seu escritório em Buenos Aires. "Esses acordos se constroem tijolo por tijolo. Copenhague deve construir não a cúpula, mas os alicerces, e criar espaço para um acordo posterior. Criou-se uma falsa expectativa no público de que haveria um acordo detalhado", continuou.
Segundo Estrada, é preciso ter em vista em Copenhague um "leque de possibilidades" de acordo. O leque menor consistiria em avançar nos compromissos de redução de emissões dos países emergentes, como Brasil, China e Índia. "O outro extremo não é possível, porque os EUA ainda não têm sua posição. E a decisão dos EUA é chave, porque condiciona o quanto [os países ricos devem cortar emissões]."
Ecoando as declarações de Estrada, dadas na última quarta-feira, o Japão afirmou ontem que pode recuar de sua meta, proposta em setembro, de 25% de corte de emissões em relação a 1990 até 2020. O ministro do Ambiente japonês, Sakihito Ozawa, disse que a meta, aplaudida como uma das mais ambiciosas entre as dos países ricos, era condicional à adoção de metas também ambiciosas por outras nações.
Egoístas
O embaixador argentino, aposentado do serviço diplomático em 2006 após uma briga com o então presidente Néstor Kirchner, criticou o que ele chama de "egoísmo" dos congressistas americanos. "Se eles têm mostrado tanta resistência em aprovarem a reforma da saúde, que diz respeito às vidas dos próprios americanos no presente, como se espera que ajam em relação ao futuro do planeta?"
Foi esse mesmo Congresso, lembrou, que rejeitou o Protocolo de Kyoto em 1997 "por conta do lobby do carvão". A decisão abriu caminho para a rejeição de Kyoto por George W. Bush, em 2001. Segundo Estrada, nem mesmo uma eventual presença de Barack Obama em Copenhague salvaria a conferência. "Obama em Copenhague não resolverá o problema dos EUA. Mas, se Lula for, certamente ganhará aplausos da plateia."
(Por Claudio Angelo, Folha de S. Paulo, 24/10/2009)