Stephanes prepara projeto para derrubar decreto que pune quem infringiu limite legal. Ministro diz que legislação que entrará em vigor em dezembro deixará 3 milhões na ilegalidade; Lula teme desgaste na cúpula do clima
Diante da indefinição do Planalto sobre o que fazer com a aproximação da data-limite para regularizar terras no país, o Ministério da Agricultura preparou uma proposta de medida provisória para afrouxar a legislação ambiental e anistiar uma parte dos desmatadores. Antes de chegar às mãos do presidente Lula, a proposta será apresentada à Casa Civil na semana que vem. O ministro Reinhold Stephanes tem pressa, pois, no dia 11 de dezembro, se nada for feito pelo governo, entrará em vigor o decreto presidencial que autoriza a punição aos proprietários que não estiverem cumprindo os limites de preservação e, na prática, põe muitos deles na ilegalidade.
O decreto, assinado por Lula e pelo ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), teve sua primeira versão publicada em julho de 2008. A enxurrada de críticas de ruralistas levou o governo a editar uma versão mais amena cinco meses depois, com multas mais leves e prazo maior para se adequar às leis.
Um motivo de apreensão no Planalto é a cúpula da ONU sobre o clima, na segunda e terceira semanas de dezembro. O governo teme chegar lá sob uma legislação ambiental indefinida ou menos restritiva -o que colocaria em xeque a iniciativa de apresentar propostas ousadas para a redução do desmatamento na Amazônia.
Outro ponto é que, com a entrada em vigor do decreto, segundo alega Stephanes, das cerca de 4,3 milhões de pequenas e médias propriedades do país, ao menos 3 milhões ficariam em situação irregular, algo indesejável em ano eleitoral. O governo tem duas opções: ampliar o prazo para a entrada em vigor desse decreto ou, como quer a Agricultura, editar logo a medida provisória e, com isso, indicar um caminho para as discussões no Congresso. Hoje, na Câmara, uma comissão dominada por ruralistas discute a revogação do Código Florestal, de 1965, e a entrega aos Estados da responsabilidade pela legislação ambiental.
Na proposta da Agricultura há quatro eixos. O primeiro é isentar da exigência de formar reserva legal os pequenos e médios produtores: áreas com até 150 hectares ou até quatro módulos rurais (cerca de 400 hectares na Amazônia) -vale a maior. Pela lei atual (Código Florestal e uma MP de 2001), uma propriedade na região amazônica é obrigada a manter intacta 80% de sua área de floresta. No cerrado, o limite é de 35%, ante 20% no resto do país.
O segundo eixo da Agricultura propõe a inclusão das APPs (áreas de preservação permanente), como topos de morro, encostas e margens de rios, na área de reserva legal. Hoje um produtor na região amazônica é obrigado a preservar a APP e mais 80% da floresta dentro de sua área. Pela proposta, uma área de APP que corresponda a 50% da propriedade poderá ser somada a 30% da reserva legal.
Outra proposta é que as plantações em uso e consolidadas nas propriedades sejam consideradas "definitivas" e "regularizadas": quem desmatou no passado e usa topo de morros para plantar café não precisa abrir mão do cafezal para reflorestar esse pedaço de terra. O quarto eixo é definir os "direitos adquiridos" dos produtores rurais: tudo o que foi feito (desmatamento) quando a lei permitia não pode ser revertido. Até 2001, por exemplo, a área de reserva legal em terras na Amazônia era de 50%.
Meio Ambiente
O Ministério do Meio Ambiente é contra mudanças no Código Florestal. Defende, em primeiro lugar, a regulamentação de alguns de seus pontos, por meio de decretos ou instruções normativas. Uma ideia da pasta é criar uma espécie de cota de reserva legal. Exemplo: um pecuarista que tenha devastado a sua propriedade poderia adquirir cotas (em hectares e com recursos próprios) de um colega que tenha excesso de floresta nativa na propriedade (acima de 80% do exigido). Sobre a soma de APP e reserva legal, o Meio Ambiente admite a possibilidade, mas apenas em casos específicos, como de pequenos produtores.
(Por Eduardo Scolese, Folha de S. Paulo, 23/10/2009)