Cientistas e especialistas em desenvolvimento em todo o mundo estão buscando uma forma de aumentar a produção de alimentos em 50% nas próximas duas décadas, para alimentar a população crescente do planeta. Apesar do consenso amplo de que há terra, água e conhecimento suficiente, muitos duvidam das chances de sucesso.
O número de pessoas famintas no mundo cresceu para 1,02 bilhão neste ano, ou seja, aproximadamente uma em cada sete pessoas, de acordo com a Organização para Agricultura e Alimentação da ONU (FAO), apesar dos 12 anos de esforços concentrados em reduzir essa quantidade.
A recessão financeira mundial adicionou a esse número ao menos 100 milhões de pessoas ao privá-los de seus meios para comprar comida suficiente, mas a quantidade já vinha aumentando mesmo antes da crise, apontou a ONU em um relatório na semana passada. “A forma como administramos o sistema de segurança de alimentos e agricultura global não funciona”, disse Kostas G. Stamoulis, economista sênior da FAO. “Há esse paradoxo no crescimento da produção de alimentos global, mesmo em países em desenvolvimento, paralelamente à fome”.
Os agrônomos e especialistas em desenvolvimento se reuniram em Roma na semana passada e, no geral, concordaram que as fontes e conhecimentos técnicos são capazes de aumentar a produção de comida em 50% até 2030, e em 70% até 2050 – quantidades que seriam necessárias para alimentar a população prevista para ter um crescimento de até 9,1 bilhões de pessoas em 40 anos.
Mas o enigma é se a produção pode ser elevada no mundo em desenvolvimento, onde as pessoas que passam fome realmente consigam ter acesso a ela, a preços que possam bancar. A pobreza e as difíceis condições de plantio afligem os países que mais precisam da nova produção, especificamente na África subsaariana e no sul da Ásia.
Uma pequena enquete feita por especialistas em Roma, sobre se o mundo será capaz de alimentar sua população em 40 anos, ressaltou a incerteza que ronda a questão: 73 responderam sim; 49, não; e 15 se abstiveram.
O histórico de fracassos em alimentar os famintos assombra essa luta. Mas outras incertezas importantes também são obstáculos. O efeito que as mudanças climáticas têm no clima e nas plantações permanece uma questão em aberto. A revolução então chamada verde dos anos 1960 e 1970 acabou com o espectro das massas famintas da época, mas o custo dos fertilizantes químicos e da irrigação pesada para o meio ambiente estimulou uma divisão amarga na opinião sobre os ingredientes certos para uma segunda tentativa.
Além disso, a demanda por biocombustíveis acabará utilizando terras de cultivo. E, como mostraram as dezenas de problemas de alimentação em 2008, o preço do petróleo e outros abalos na receita podem rapidamente levar mais milhões de pessoas à situação de fome, levando a ondas de instabilidade em todo o mundo.
Espera-se que no encontro de líderes mundiais em Roma, no dia 16 de novembro, discuta-se o futuro das demandas de alimento. Desde julho, os países mais ricos vêm se comprometendo ostensivamente com mais de US$ 22 bilhões aplicados aos esforços nos próximos três anos.
A agricultura já foi o pilar de programas de assistência internacional. Os números do Banco Mundial mostram que ela constituía 17% de toda a assistência estrangeira em 1980, disse Christopher Delgado, consultor de agricultura do banco. Mas a ênfase decaiu quando o número de pessoas famintas caiu para seu menor nível recente, 825 milhões de pessoas, por volta de 1996. Em 2000, a assistência da agricultura havia encolhido para 4%, embora ela tenha dado alguns pequenos saltos, desde esse período.
Os líderes mundiais frequentemente exigem uma revolução verde como a dos anos 1960 e 70, como uma inspiração para o progresso no futuro. A revolução original empregou novas sementes, fertilizantes e irrigação na Ásia e na América Latina para acabar com a fome que assolava milhões.
Mas a concentração da revolução verde no trigo e no arroz seria impossível de se copiar em partes da Ásia e da África, de acordo com especialistas, que apontam que os africanos tem sete ou oito tipos de cultivo de alimentos, condições descontroladamente variáveis de plantação e uma estimativa de apenas 7% de terras irrigadas.
(Por Neil MacFarquhar, The New York Times / Último Segundo, 22/10/2009)