O desenvolvimento da atividade mineral na Amazônia tem se tornando cada vez mais dinâmico. Principalmente nos Estados do Pará, Amapá, Amazonas, Rondônia e Tocantins, que juntos respondem por grande parte da produção mineral brasileira. A região amazônica possui uma quantidade de jazidas minerais importantíssima para o desenvolvimento do país. As atividades mineradoras lá praticadas respondem por aproximadamente por 21% das exportações e por 10,9% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
De lá saem 80% da produção de cobre brasileira; 74% de manganês; 100% de cassiterita e tântalo e 93% de caulim. São aproximadamente R$ 43 bilhões decorrentes do setor mineral que entram nos cofres brasileiros anualmente. Caulim, cobre e alumínio são materiais estratégicos para o desenvolvimento da indústria tecnológica.
Do ponto de vista econômico não há problemas. Entretanto, a coisa muda de figura quando se pensa na distribuição dessa riqueza, em como essas cifras poderiam ser traduzidas de forma a criar algum tipo de agregação de valor - ao trabalho e ao produto - para que essa riqueza que está em estado natural possa ser transformada em produto final, ou parte dele, revertendo em benefícios para as sociedades locais e, por consequência, ao Estado brasileiro.
"Infelizmente nesses mais de 50 anos de exploração mineral na Amazônia, essa exploração não tem se traduzido em melhoria de qualidade de vida ou benefício da sociedade local. Por exemplo, o minério de ferro, que produziu em 2007 um valor de R$ 4,8 bilhões pro estado do Pará: esse dinheiro não retornou para a sociedade. Ao mesmo tempo o Estado não desenvolve políticas para que a região desenvolva sua própria tecnologia, para usufruir da transformação do produto em outras cadeias produtivas, agregando valor a esse produto. Não há efeito multiplicador econômico nem efeito multiplicador social", lamenta João Márcio Palheta da Silva, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Os processos de extração e beneficiamento de minerais criaram, em diversos segmentos sociais, expectativas de rápida industrialização regional. Além disso, as dinâmicas decorrentes das atividades voltadas à extração e à transformação industrial de minerais incluem-se entre os mais expressivos fatores que contribuem para a efetivação de significativas mudanças na Amazônia brasileira.
A Região Amazônica possui uma grande diversidade de substâncias minerais como ouro, prata, minério de ferro, bauxita, cobre, manganês, cromo, estanho, nióbio e tântalo, além de zircônio. Possui a maior mina de ferro do mundo (Carajás) além de outras substâncias minerais industriais, sendo três grandes minas de caulim, minas de calcário (usado tanto na indústria de cimento como na agricultura, como corretivos de solo), de gipsita, jazidas de potássio e de rochas fosfáticas. Os agregados minerais (areia, argila, brita e cascalho), utilizados na construção civil estão distribuídos por todos os Estados com atividades concentradas nos grandes centros urbanos.
Valores
O mercado de bens minerais no Brasil movimentou R$ 38,4 bilhões em 2007, quando os metálicos responderam por R$ 29,3 bilhões (76,3%), enquanto que os não metálicos somaram R$ 8,4 bilhões (23,7%). A região amazônica respondeu por R$ 9,6 bilhões, ou seja, o equivalente a 25% do total do Brasil, onde os metálicos responderam por 90%. Os dados são do último levantamento feito pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Para Miguel Antônio Cedraz Nery, diretor geral do DNPM, "o principal fator [sobre os benefícios para a população local] diz respeito ao fornecimento de matéria prima de base mineral para a indústria nacional, além de contribuir para a pauta de exportações do país, gerando empregos e renda e favorecendo o desenvolvimento sustentável. Segundo Nery, a mineração "fortalece a cidadania, promove a inclusão social e a melhoria na infraestrutura da Região Amazônica. Reduz as desigualdades regionais e melhora a distribuição de renda".
Palheta pensa um pouco diferente. Para ele, o garimpo precisa de uma regra oficial, "mas que se considere que o garimpeiro é uma realidade na Amazônia, não transformando as áreas de garimpo somente para as grandes empresas, mas também que regule a atividade garimpeira para que não se torne um problema ambiental gigantesco, como foi no passado. É necessário criar condições para que atuem de forma regulamentada e acompanhada pelos órgãos de fiscalização e de técnicas menos agressivas ao meio ambiente e aos próprios".
O estado do Pará concentra a maioria dos requerimentos de pesquisa mineral (etapa essencial para que a União possa outorgar concessões de lavra). Para os próximos três anos 2008/2010, o setor mineral brasileiro deverá ser contemplado com o aporte de investimentos da ordem de R$ 21,8 bilhões. A região amazônica deverá ser contemplada com 36,7% desses investimentos, ou seja, R$ 8,0 bilhões.
Os números do DNPM confirmam a "preferência" pelo estado paraense. Os indicadores de desempenho indicam crescimento 5,4% da indústria extrativa mineral em 2007. O aumento no ritmo de produção é observado em praticamente todos os bens minerais, com exceção do manganês. O valor da produção mineral paraense em 2007 atingiu a marca recorde de R$ 8,2 bilhões, um valor 7,2 % superior ao de 2006. Nesse ano foram arrecadados R$ 150 milhões de CFEM e R$ 111milhões de ICMS. O setor de metálicos foi disparado o mais expressivo, representando 94% do total do valor da produção, dos quais R$ 4,8 bilhões foram representados pelo minério de ferro.
Terras Indígenas
O governo apresentou recentemente projeto de lei para garantir a realização de negócios em terras indígenas, dentre eles a mineração. Pelo projeto, as empresas poderão realizar empreendimentos nas reservas, que equivalem a 13% do território nacional, mas terão de dar uma série de contrapartidas aos índios, como royalties, compensações ambientais e contratação de mão de obra.
No caso da mineração, as aldeias poderão até vetar os empreendimentos, caso entendam que serão afetadas negativamente em sua cultura ou no ambiente. As mineradoras terão de dar prioridade aos índios na contratação de pessoal e eles terão a garantia de receber salários nos mesmos níveis dos demais trabalhadores. Além disso, os lucros com a exploração de minério terão de ser repartidos com as aldeias afetadas pela atividade econômica. O texto enviado ao Congresso prevê ainda que todos os projetos de investimentos em reservas terão de ser discutidos antes com as comunidades indígenas e as empresas somente poderão atuar através de licitação pública, a ser aberta posteriormente.
O diretor do departamento de mineração do governo federal entende que no caso especifico de mineração em terras indígenas, o art. 131 da Constituição da Federal estabelece que a atividade de mineração só poderá ocorrer com a aprovação de lei específica.
"O governo do presidente Lula entende que a mineração, como qualquer outra atividade econômica, deve ter seu desenvolvimento baseado nos princípios da sustentabilidade, ou seja, sem perder de vista a rentabilidade econômica necessária para remunerar o capital investido. Assim, deve-se pensar também em assegurar melhoria na qualidade de vida da população e respeito ao meio ambiente, e o DNPM entende que com a aprovação dessa lei, as comunidades indígenas poderão se beneficiar, com emprego e renda gerados, com arrecadação de tributos, com a realização da própria atividade, inclusive associados às empresas de mineração", disse.
Histórico
O processo de valorização industrial de recursos minerais na Amazônia teve início com a exploração das reservas de minério de manganês da Serra do Navio, no antigo Território Federal do Amapá. Tal mina foi erguida sob novo regime político e pela reorientação das relações estabelecidas entre o Estado e a economia. Era o fim da ditadura de Getúlio Vargas e a nova Constituição, promulgada em 1946, era fortemente inspirada em princípios do liberalismo econômico.
A nova carta não deixou explícito que os bens minerais eram uma propriedade da União. Estipulava-se apenas que a exploração de tais recursos poderia ser conferida exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no país. Não estabelecia quais seriam as restrições ou normas que limitariam a organização e a atuação de tais sociedades mineradoras.
A exploração da Serra do Navio permaneceu por cerca de duas décadas como única atividade de extração mineral industrial significativa na região. Isso mudaria em decorrência das políticas oriundas do golpe militar de 1964. Na visão da ditadura, era necessário ocupar a Amazônia. Isso foi feito através de políticas de desenvolvimento que buscavam articulação de interesses privados e o estabelecimento de uma ampla política de incentivos fiscais, na qual se enquadravam as grandes empresas mineradoras e metalúrgicas.
Para agilizar a implantação de projetos exportadores, o Governo Federal criou em 1974 o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia). Os planos federais previam a implantação de diversos pólos de desenvolvimento, com destaque para a produção mineral.
Alguns dos pólos que integravam o Polamazônia eram Carajás, Trombetas e Amapá. No "pólo do Amapá", a política de incentivos fiscais foi utilizada pela empresa Indístria e Comércio de Minérios (Icomi) para implantar uma usina de pelotização, visando ao aproveitamento da parcela muito fina de minério de manganês. Naquele "polo" também entrou em operação a primeira empresa dedicada à extração industrial de caulim na Amazônia. Tratava-se da Caulim da Amazônia (Cadam), criada como parte dos investimentos do milionário norte-americano Daniel Ludwig na área da Jari florestal. Em 1977, a Cadam iniciou a lavra da mina de caulim situada na margem esquerda do rio Jari, atualmente município de Laranjal do Jari (AP).
Foi também nos anos de 1970 que se desenharam as condições que viabilizaram a extração e a comercialização da bauxita metalúrgica na Amazônia brasileira, mais especificamente as jazidas que haviam sido descobertas, ainda na década de 1960, nas proximidades do rio Trombetas, no município paraense de Oriximiná. O governo tinha necessidade de agilizar a instalação e o início da operação dos projetos mínerometalúrgicos e por isso criou, em 1980, o Programa Grande Carajás (PGC). Foi uma tentativa de coordenar a execução de projetos já existentes na área (especialmente o Projeto Ferro Carajás, a Albras, a Alunorte, a Alumar e a Usina de Tucuruí) e de concentrar ainda mais os recursos estatais e os oriundos de incentivos fiscais e creditícios.
Na esteira do PGC, implantaram-se na região empresas voltadas à produção de alumina e alumínio primário. A Albras instalou-se no município paraense de Barcarena, iniciando sua operação em 1985. Nas negociações das condições de sua instalação, o governo concedeu à empresa subsídio no preço da energia elétrica. Paralelamente às negociações que envolveram a criação da Albras, a Alcoa iniciou articulações também voltadas à produção de alumínio em São Luís (MA) e à formação, sob a sua coordenação, do Consórcio de Alumínio do Maranhão (Alumar). As obras para a sua instalação foram iniciadas em 1980 e sua produção, em 1984, já era comercializada. A exploração das minas da Serra dos Carajás também veio na cola do PGC. A extração de minério de ferro atingiu 69,5 milhões de toneladas, em 2004, representando vendas de US$ 1,32 bilhão.
O PGC também incentivou, na sua área de abrangência, a instalação de empresas que se dedicassem à produção de ferro-gusa, ferroligas e silício metálico, chegando a autorizar a concessão de benefícios para a implantação de 22 empresas sídero-metalúrgicas. Na composição dos capitais das empresas dedicadas à produção do ferro-gusa, os recursos oriundos do Fundo de Investimento da Amazônia (Finam) e do Fundo de Investimento do Nordeste (Finor) foram extremamente relevantes, em alguns casos representam até 75% dos capitais investidos.
Durante as últimas duas décadas houve uma produção crescente de ferro-gusa na região, que em 2004 atingiu 4,8 milhões de toneladas. E a produção vem sendo ampliada. Isso implica também na ampliação do consumo de carvão vegetal, que gira em pelo menos cinco milhões de toneladas de carvão. Uma demanda que amplia a pressão pelo desmatamento de novas áreas.
Com a Constituição de 1988, o PGC é esvaziado para, em seguida, ser extinto. A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e os diversos outros órgãos da burocracia federal que tiveram papel de destaque no aporte estatal para a implantação regional de empresas mineradoras têm a sua importância reduzida e parcela do sistema de renúncia fiscal que era executado no âmbito do PGC foi extinta.
No final da década de 1980, assim, as políticas públicas voltadas à valorização dos recursos minerais da região são marcadas pela redução da capacidade do governo de coordenar, centralizar e direcionar grandes financiamentos ou mesmo investimentos diretos em empresas do setor e em infra-estrutura de suporte a elas.
Modelo ideal para a região?
Para o professor João Palheta, é necessário ficar claro qual o papel do Estado, os canais de participação da sociedade civil e das empresas: "Tem que se definir uma agenda para criar um pacto socioeconomico da mineração na Amazônia, possibilitando o canal de participação desses atores e definindo as estratégias de interesses difusos. Que eles não sejam meros espectadores da produção mineral, que se crie tecnologia regional, possibilitando investimentos para que essa sociedade fique preparada para enfrentar essa atividade de maneira mais qualificada, e ter o efeito multiplicador social vindo dessas estratégias".
Ele faz questão de ressaltar que a trata-se apenas de mais uma atividade, e que tem que estar associada numa política que integre questão fundiária, agroflorestal e mineração, de forma a identificar problemas comuns para ter uma visão menos distorcida do que é a sociedade e a economia na Amazônia.
Nery segue linha parecida. Para ele, o modelo a ser seguido é aquele que proporcione desenvolvimento sustentável, inclusão social e respeito ao meio ambiente. "Na verdade a mineração, pelo impacto ambiental pontual que promove, pode ser a solução para preservação da floresta, diferentemente da agricultura extensiva ou mesmo da pecuária. Há vários exemplos em que a mineração é que tem contribuído para preservar matas nativas e impedir o desmatamento desenfreado. A floresta nacional de Carajás é um exemplo disso", conclui.
(Amazonia.org.br, 22/10/2009)