A Vale está prejudicando a vida de milhares de pessoas em Moçambique. Foi o que pôde constatar uma equipe de militantes que esteve no país entre os dias 28 e 29 de agosto. Representantes da União Provincial de Camponeses de Tete, vinculada à União Nacional dos Camponeses de Moçambique (Unac), da Via Campesina em Moçambique, da FIAN – Organização Internacional pelos Direitos Humanos à Alimentação, da Alemanha, e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tomaram contato com os impacto na vida dos camponeses do projeto de exploração mineral da companhia no Distrito de Moatize, na Província de Tete, centro de Moçambique.
O plano da Vale de atuar em lugares atualmente habitados e agricultáveis vai obrigar um elevado número de famílias a abandonar suas terras e casas. A Vale está presente no país, mais concretamente em Moatize, desde novembro de 2004, naquela que é considerada uma das maiores reservas carboníferas do mundo. A mina de Moatize deverá produzir 11 milhões de toneladas de carvão, durante os próximos 35 anos. Em 2008, a receita do carvão da Vale totalizou os 577 milhões de dólares.
Uma das duas comunidades atingida pela concessão de uso e exploração, de 1.125 famílias, teve seus antepassados, que vivem naquelas terras há mais de 200 anos, ali enterrados. As famílias reivindicam o direito de seus mortos permanecerem no mesmo local, pois a empresa pretende destruir os cemitérios existentes para explorar o carvão que está no subsolo. A remoção dos corpos enterrados para outros locais é considerada pelos camponeses como uma falta de respeito e imposição.
Injustiça
A empresa tem um plano de reassentamento que oferece casas às famílias, mas a perda dos bens das populações não será indenizada. É o caso da Associação Integrada dos Camponeses de Changara. Ela possui três tanques de piscicultura, 36 bovinos, 10 charruas, 10 carroças, uma bomba de água, sete hectares de terra em uso, onde produzem hortícolas e cereais. A associação adquiriu o título de legalização de 150 hectares de terras e pagou os impostos requeridos, mas a sua retirada não será indenizada, sob pretexto de que a terra é do Estado.
Com o reassentamento, a associação vai deixar de existir. Se atualmente a produção é comercializada nas proximidades da cidade de Tete, no lugar do reassentamento, a associação perderá o mercado pois estará 35 km mais distante. Neste momento, a associação está numa fase boa de produção e venda, porque está localizada entre a Tete e o distrito de Moatize. Se a decisão dependesse dos membros da associação, eles nunca sairiam das suas terras.
Uma das heranças que os camponeses vão perder é a fruta silvestre, tradicionalmente conhecida como Massanika. Essa fruta, que é produzida uma vez por ano e depois de seca pode ser armazenada para o consumo nos momentos de estiagem, é considerada símbolo de resistência, pois em tempos de guerra matava a fome. “Na seca, pegamos essa fruta, pilamos e fazemos uma papa ou colocamos água e tomamos como se fosse café e ficamos saciados. Só precisamos depois beber água, o dia todo”, conta um camponês, membro da associação.
Saída forçada
Como a saída é obrigatória e forçada, o único jeito agora é reivindicar os direitos e pedir indenização. Nesse momento, existem duas empresas a explorar minérios em Tete, neste caso o carvão. Estão em curso novas pesquisas para expansão de novas áreas na província de Tete, para descobrir novas jazidas.
Questionado sobre os benefícios e como as famílias estão negociando com a empresa, um dos responsáveis da Direção Provincial da Agricultura de Tete, chefe de planificação, Benjamim Geme, explica que foi criada uma comissão no nível da província para analisar e tomar decisões referentes ao projeto. Mas essa comissão não vai a campo e não conhece os problemas e as reivindicações das famílias. Ela deveria ter a responsabilidade de dar acompanhamento ao processo de consultas à população, acompanhar a implementação do projeto e analisar o Plano Operacional da Empresa. A comissão é composta por representantes da Direção Provincial da Agricultura, técnicos que fornecem informações e dados sobre a terra e por representantes da empresa. As famílias não fazem parte dessa instância, a única que toma as decisões.
Segundo Geme, existe um documento que está em elaboração, uma espécie de Plano Operacional, que vai guiar o processo do reassentamento das famílias atingidas. Tudo o que a Vale implementa é antes apreciado pela referida comissão: “a empresa planifica e a comissão aprova ou faz as recomendações”, diz.
Truculência
A comissão não dialoga com as famílias, as relações são estabelecidas com os chefes das localidades e estes por sua vez mantêm uma relação com os líderes das comunidades e com algumas pessoas que exercem influência nas comunidades. Como disse um cidadão atingido, “existe um consenso forçado para sair. A Vale veio um dia aqui e disse que a gente tinha que sair. Fecharam estradas e já não podemos plantar e nem fazer investimento, porque já avisaram que não vão pagar”.
“A empresa chegou em 2006, não falou nada. Em janeiro de 2009, começou a negociar com a administração, que nos comunicou que a gente tinha que sair. Então ficamos preocupados, há muitos anos que estamos aqui. Querem que saiamos. Mas sair para onde? Estão a nos oprimir, não temos o direito de expressão, não podemos fazer campanha. Queremos que as organizações internacionais de direitos humanos nos ajudem, queremos ser ouvidos. Apesar do descontentamento e da vontade de resistir, a situação já está dada: vão ter que sair e dar lugar ao projeto de exploração dos recursos minerais da Vale do Rio Doce e o Plano Operacional não é de conhecimento e aprovação das famílias”, relata outro atingido.
(Por Enedina de Andrade e Boaventura Monjane, Brasil de Fato*, 21/10/2009)
* Leia mais na edição 347 do Brasil de Fato