Os arrendamentos teriam ocorrido entre 1996 e 2008. Indenização pelo uso ilegal das terras de reserva indígena pode passar de 2,5 milhões de reais.
O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul denunciou à Justiça Federal índios e fazendeiros de Dourados pela possível prática de arrendamento de terras localizadas em reservas indígenas do município. As áreas teriam sido arrendadas por pelo menos doze anos, entre 1996 e 2008.
Em depoimento à polícia, indígenas e proprietários de fazendas afirmaram existir “parcerias” agrícolas para a plantação de soja e milho, mas, segundo inquérito policial, essas parcerias inexistiam. Os produtores detinham todas as etapas da produção, desde o preparo da terra à colheita e venda dos produtos. De acordo com as investigações, a participação dos indígenas era somente a de autorizar o cultivo nas terras da União, o que caracteriza o arrendamento.
Arrendamento
As terras indígenas, segundo dispõe o inciso XI do artigo 20 da Constituição Federal, pertencem à União, cabendo aos índios o seu usufruto exclusivo. A prática de arrendamento de terras indígenas é proibida e configura crime, conforme o artigo 2º da Lei nº 8.176/91.
De acordo com depoimento dos índios, as terras - localizadas nas Terras Indígenas Bororó e Jaguapiru, em Dourados - eram “alugadas” por valores irrisórios. Em alguns casos, os indígenas recebiam cem reais por alqueire; em outros, o pagamento era feito por colheita, cerca de dois mil reais por safra. Há casos, ainda, em que o pagamento pelo uso de sete hectares de terra era de três mil reais ao ano.
Segundo o MPF, a prática ocorreu de forma reiterada por vários anos seguidos nas terras indígenas de Dourados. A pena pelo crime de arrendamento de terras da União é de detenção de um a cinco anos e multa
Desvio de finalidade
Para o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, “arrendar terras indígenas a agricultores não-índios acarreta consideráveis prejuízos ao patrimônio da União, uma vez que tal prática gera enriquecimento ilícito a determinadas pessoas em detrimento da comunidade e acaba por desviar a finalidade almejada pela União na demarcação de reservas indígenas”.
O MPF também solicitou à Justiça a produção de laudo antropológico. O laudo visa delimitar o grau de compreensão da ilicitude pelos indígenas, bem como das possíveis interferências entre a sua organização social, costumes e tradições e a norma penal em questão.
Danos materiais
Além da condenação penal pela prática de arrendamento de terras da União, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação, com pedido de liminar, solicitando indenização dos fazendeiros acusados do arrendamento. Os valores por danos materiais chegam a R$ 2.604.888,00 e devem ser revertidos em prol da comunidade indígena. Os índios também deverão pagar pelo uso ilegal da terra, sendo que os valores serão estabelecidos durante o processo na Justiça.
A ação judicial pede ainda que a União seja condenada pela omissão em fiscalizar terras públicas, devendo adotar medidas destinadas à implementação da sustentabilidade e a consequente segurança alimentar da comunidade das Terras Indígenas Jaguapiru e Bororó. Para tanto, a Justiça deve determinar que a União elabore, no prazo de 30 dias, um plano de etno-desenvolvimento, que deverá prever o fomento de atividades produtivas, prestação de assistência técnica e o devido suporte financeiro e material para a execução das ações. O MPF pediu o estabelecimento de multa diária de mil reais pelo descumprimento de tal decisão.
Para o MPF, “não basta que a União apenas proceda à demarcação dos territórios tradicionalmente ocupados pelos índios, mas também que lhes proporcione os meios adequados à autossustentabilidade da comunidade, condição necessária para a plena manutenção da sua organização social, usos e costumes”.
Referência processual na Justiça Federal de Dourados:
2007.60.02.001515-4 (denúncia criminal)
2009.60.02.004670-6 (indenização por danos a bem público)
(Ascom MPF/MS / Procuradoria Geral da República, 20/10/2009)