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pesquisa agropecuária nanotecnologia
2009-10-21

É um trabalho minucioso, repetitivo e (literalmente) invisível. Mas nele está uma das grandes apostas do setor agropecuário para os próximos anos. Enquanto você lê este texto, quase cem cientistas de universidades e centros de pesquisa brasileiros dedicam-se a aplicações da nanotecnologia no campo, a ciência da reorganização de moléculas e átomos numa escala impensável para a maioria dos mortais - 1 bilhão de vezes menor que o metro.

As pesquisas estão concentradas sobretudo no desenvolvimento das chamadas "língua" e "nariz" eletrônicos, sensores que mimetizam o trabalho do homem em tarefas tão díspares como a medição da umidade do solo e da maturação de frutos até a detecção de bactérias em derivados do leite ou da febre aftosa no rebanho bovino. Em outras frentes, os cientistas desenvolvem plásticos comestíveis para embalagens de alimentos, nanofibras de celulose a partir do bagaço de cana e ainda nanopartículas magnéticas para a descontaminação de pesticidas em água.

Tudo isso, acredita-se, tornará as respostas da indústria mais rápidas e com um custo significativamente menor que as técnicas disponíveis hoje no mercado. "A nanotecnologia será uma revolução no campo", sentencia Luiz Henrique Mattoso, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos (SP).

Mattoso lidera uma força-tarefa de 17 unidades da Embrapa e outras 15 universidades, federais e estaduais, reunidas na Rede de Pesquisa em Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio. Formada em 2006, a rede é o maior grupo voltado às pesquisas com nanotecnologia para o setor agropecuário atuando no país.

De acordo com o pesquisador, a ideia nasceu na esteira de um projeto nacional da Embrapa sobre os desafios que deveriam ser contemplados pela estatal, com o intuito de trazer o foco dos laboratórios para perto das necessidades científicas brasileiras. Especializado em polímeros, Mattoso sabe com clareza o potencial desse novo campo de pesquisa. Por dois anos, o pesquisador trabalhou no laboratório virtual da Embrapa nos Estados Unidos, onde fez uma prospecção a fundo do que vinha sendo estudado na área naquele país. Apesar das verbas maciças injetadas ali para as pesquisas com nanotecnologia em geral - cerca de US$ 1 bilhão em três anos -, ele diz que, no setor de agricultura tropical, o Brasil não fica atrás.

"Eles investem muito na área eletrônica e de manipulação genética. Mas no setor agrícola estamos 'pau-a-pau' ", diz. Para efeito de comparação, o orçamento da rede brasileira de nanotecnologia para agronegócio foi de R$ 13 milhões entre 2006-2009, com aportes da Embrapa, Finep, Capes, CNPq e Fapesp. "Para o Brasil, é muito. É um dinheiro que dá pra gente trabalhar".

Muito ou pouco, o fato é que os trabalhos avançam no ritmo esperado. Na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), uma das pesquisas mais alavancadas é a da "língua" eletrônica capaz de detectar características indesejáveis na soja para a produção de leite. Segundo especialistas, muitas variedades do grão ainda conferem um gosto ruim ao produto, por isso a necessidade de misturar frutas ao leite.

"Tradicionalmente, a classificação do produto como gostoso ou não é feito por painelistas (degustadores da indústria de alimentos) ou por processos de análise físico-químicos", diz o pesquisador da USP Fernando Fonseca, cujo trabalho é desenvolvido em parceria com a Embrapa Soja, de Londrina. Além de lento, é um processo mais caro.

Em linhas gerais, o que foi desenvolvido na USP é uma lâmina com contatos de ouro na qual foi depositado um filme nanométrico - o "coração de tudo", diz Fonseca. Essas várias lâminas são imersas no leite de soja para que, então, os pesquisadores meçam a resposta elétrica do dispositivo e as analisem matematicamente.

"Cada líquido vai ter um resultado diferente. Dessa maneira é possível distinguir cada leite de soja", explica Fonseca. "Através da língua eletrônica a Embrapa vai saber qual o melhor grão para investir. O desafio é fazer uma classificação mais veloz e barata". Hoje, a USP tenta chegar mais próximo de um produto comercial que possa ser utilizado pela indústria de alimentos em geral.

Invisível a olho nu, o filme desenvolvido pelos cientistas paulistas tem de 20 a 100 nanômetros de espessura. Imagine isso: um nanômetro corresponde ao tamanho de uma bola de futebol em relação ao globo terrestre.

Em Fortaleza (CE), uma das linhas de pesquisa da Embrapa Agroindústria Tropical chama a atenção não só pelo produto em si como pelo debate que certamente suscitará. Ali, biopolímeros da natureza (polpa de manga, neste caso) são a base dos experimentos para o desenvolvimento de filmes comestíveis para embalagens de alimentos, como frutas. Você come a fruta e o plástico - minimizando, de quebra, um grave resíduo ambiental.

Em São Carlos, no interior paulista, os cientistas do grupo de Biofísica Molecular do Instituto de Física e do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Carlos (UFSCar) estudam a aplicação da nanotecnologia para detectar a febre aftosa na população de bovinos. Isso ainda é feito via métodos imunológicos desenvolvidos para quantificar a concentração de antígenos e anticorpos, sendo o principal deles o Leitor Elisa (do inglês Enzyme-linked immuno sorbent assay). É um processo custoso, no qual uma amostra de sangue do animal deve ser encaminhada para análise em laboratório.

"Imobilizamos nanopartículas metálicas sobre circuitos eletrônicos especiais que vão detectar a presença de anticorpos", diz Valtencir Zucolotto, professor do Instituto de Física da UFSCar. "Se o animal já teve aftosa, ele desenvolveu anticorpos e os nossos sensores detectarão isso". Dentro de um ano e meio o grupo deverá ter o primeiro protótipo para comercialização. E em dois anos, o kit pronto para comercialização.

Para os produtores, o novo instrumento será um processo mais barato porque os testes de aftosa poderão ser feitos in loco e com resposta imediata. "A nano dará independência para a fiscalização", diz Zucolotto. No passado recente, a ocorrência da doença levou à interrupção dos embarques de carne bovina brasileira a quase 50 países. Devido a esse episódio, até hoje, a União Europeia impõe restrições ao país.

(Por Bettina Barros, Valor Econômico / IHUnisinos, 19/10/2009)


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