A principal característica de uma empresa que se diz comprometida com o meio ambiente é “comprometer-se em tornar ecologicamente sustentáveis 100% de seus produtos num futuro próximo”, enfatiza Elisabeth Laville, professora da École des Hautes Études Commerciales, Paris. Se as empresas não tornam seus produtos ecologicamente sustentáveis, “não causam impactos reais sobre as questões ambientais que estão tentando resolver”. Para ilustrar, ela cita a produção automobilística mundial: “atualmente, apenas 12% do impacto sobre a mudança do clima em nível global causada pela indústria automobilística estão relacionados com as fábricas e 80% estão relacionados com os próprios carros”.
Experiente na questão da responsabilidade socioambiental corporativa, Elisabeth esteve no Brasil lançando o livro A empresa verde (Editora Õte, 2009), reeditado pela terceira vez na França, e concedeu a entrevista, a seguir, à IHU On-Line por e-mail. As empresas devem adotar uma abordagem de “sustentabilidade 2.0”, diz ela, o que significa não só assumir compromissos em relação a seus processos e sistemas internos, adotando uma abordagem de prevenção de riscos, mas ir além e tomar “a iniciativa de mudar seus produtos e serviços a fim de torná-los todos ecologicamente mais responsáveis”.
Para isso, reitera, “teremos de nos concentrar em redesenhar os produtos, por exemplo, em fazer o ecodesign no upstream a fim de reduzir o impacto dos produtos ao longo de todo o seu ciclo de vida, mas também, em alguns casos, trabalhar na substituição do produto por um serviço que possa ser prestado sem consumir mais recursos naturais e gerar mais lixo”.
Elisabeth Laville é uma das fundadoras da Graines de Changement, que aborda temas como consumo responsável e os impactos da alimentação humana sobre o ambiente.
Confira a entrevista.
IHUnisinos - O que a senhora entende por empresa verde? Quais devem ser as características dessa empresa?
Elisabeth Laville - Para mim, empresa verde é uma empresa verdadeiramente ecológica e comprometida em tornar suas atividades compatíveis com a proteção do meio ambiente. Essencialmente, isso significa não só ter atividades corporativas filantrópicas de caráter ecológico (por exemplo, apoiar financeiramente causas ecológicas através de uma fundação corporativa ou programas de doações específicas), não só tornar suas atividades industriais e sistemas de gestão ecologicamente sustentáveis (por exemplo, comprometer-se com a certificação da ISO 14001 para plantas industriais, e talvez também na cadeia de fornecedores, cumprir a legislação ambiental já existente e a futura, nomear gerentes dedicados a questões ambientais, redigir políticas corporativas sobre o meio ambiente ou sobre uma cadeia de fornecedores “responsável”, subscrever códigos de conduta corporativos, como, por exemplo, o Pacto Global da ONU, e produzir relatórios ambientais), mas também, e, principalmente, comprometer-se em tornar ecologicamente sustentáveis 100% de seus produtos num futuro próximo.
Isto é um fator-chave porque, em muitos mercados, se as empresas não tornam seus produtos ecologicamente sustentáveis, não causam impactos reais sobre as questões ambientais que estão tentando resolver. Por exemplo: atualmente, apenas 12% do impacto sobre a mudança do clima em nível global causada pela indústria automobilística estão relacionados com as fábricas e 80% estão relacionados com os próprios carros.
Portanto, por que esse setor todo se concentrou durante anos na melhoria do desempenho ambiental de suas fábricas e muito poucos fabricantes trabalharam de fato no desenvolvimento de novas tecnologias para tornar os carros menos poluentes, como a Toyota vem fazendo com a tecnologia híbrida? Isto é o que chamo de abordagem de “sustentabilidade 2.0”, pela qual as empresas não só assumem compromissos em relação a seus processos e sistemas internos, adotando uma abordagem de prevenção de riscos, mas vão além disso e tomam a iniciativa de mudar seus produtos e serviços a fim de torná-los todos ecologicamente mais responsáveis.
Por exemplo, a Philips anunciou, em 2007, que em 2012 os produtos ecológicos responderiam por 30% de seu faturamento e, desde que assumiu esse compromisso, quase todos os seus novos produtos de fato têm um valor agregado e posicionamento ecológico (lâmpadas de LED para decoração de interiores etc.). Não estamos falando aqui de produtos para “nichos” pequenos, e isto está acontecendo rapidamente em muitos países diferentes.
A Marks & Spencer, com seu Plano A, de cinco anos de duração, lançado em janeiro de 2007, escolheu cinco temas e 100 compromissos com a sustentabilidade do mainstream em suas práticas diárias e nos produtos que vende (100% de chá/café/algodão orgânico/de comércio justo em 2012, 100% de ovos de galinhas criadas em liberdade nas embalagens de ovos, mas também em todos os tipos de massas com ovos, 100% de tinturas ecológicas para roupas etc.). E, naturalmente, a Toyota, que desenvolveu a tecnologia híbrida antes de seus concorrentes, de modo que ela agora é proprietária de todas as patentes dessa tecnologia, e que também se comprometeu em desenvolver o mercado e provar que esse carro ecológico, menor e menos sexy do que qualquer carro tradicional pelo mesmo preço, é, na verdade, mais inteligente, mais sofisticado, mais adaptado ao mundo de amanhã e até mais sexy desde que Leonardo di Caprio está dirigindo um carro desses!
Essas empresas estão abrindo o caminho: elas provam que é possível integrar sua estratégia de sustentabilidade e sua estratégia de negócios, acreditam que uma empresa só tem os clientes que merece, que você tem de tornar seu mercado disposto ou pronto, em vez de esperar até que ele esteja disposto ou pronto. Elas provam que a sustentabilidade também tem a ver com oportunidades de mercado, e não só com mais regulamentações e barreiras.
Quais serão, em sua opinião, os rumos e implicações do desenvolvimento sustentável, partindo do ponto de vida da gestão ambiental?
Laville - No futuro, é claro que teremos de ser muito bons na melhoria do impacto ambiental dos processos industriais, mas, antes de mais nada, teremos de nos concentrar em redesenhar os produtos, por exemplo, em fazer o ecodesign no upstream a fim de reduzir o impacto dos produtos ao longo de todo o seu ciclo de vida, mas também, em alguns casos, trabalhar na substituição do produto por um serviço que possa ser prestado sem consumir mais recursos naturais e gerar mais lixo. Um bom exemplo disso é o compartilhamento de carros, que está se desenvolvendo no mundo todo e tem um impacto muito forte sobre o meio ambiente: em vez de ser dono de um carro, você apenas paga uma assinatura anual de um serviço e só ganha um carro quando precisa dele, mesmo que seja só por uma hora – e paga de acordo com o tempo que gasta com o carro.
Afinal de contas, de acordo com pesquisas de mercado, cada veículo compartilhado tira 20 carros da estrada à medida que os membros vendem suas quotas de uso ou decidem não comprar novas. As pessoas que compartilham carros economizam em média $ 600 por mês, também afirmam que reduzem o número de quilômetros que rodam em 44%, e levantamentos feitos na Europa mostram que as emissões de CO2 estão sendo reduzidas em até 50% por usuário. Atualmente a TI é um mercado florescente, e não admira que players importantes, como a Hertz, estão entrando nele agora.
Que práticas e hábitos desenvolvidos pelas empresas ainda precisam ser mudados para de fato construir uma sociedade sustentável?
Laville - Acho que as quatro questões e focos mais importantes para as empresas nos próximos meses e anos deveriam ser:
1) como a sustentabilidade está embutida em sua área de pesquisa e desenvolvimento e em sua estratégia de inovações?
2) que mudanças precisam ser feitas em seu modelo de negócios a fim de torná-lo 100% compatível com o desenvolvimento sustentável?
3) o que é longo prazo para nós e quais são os cenários que construímos sobre a forma como a sustentabilidade irá afetar e mudar nosso mercado? e
4) como embutimos a sustentabilidade em nosso sistema de incentivos/avaliação, bem como em nosso scorecard corporativo (se é com isso que têm a ver os negócios, então isso tem de estar embutido nessas ferramentas-chave para orientar uma empresa).
Como se pode depreender de meu exemplo do compartilhamento de carros, a sustentabilidade tem a ver com a mudança radical de muitos mercados, e as empresas que forem incapazes de prever essas tendências talvez sofram muito nos anos vindouros. E há muitas empresas, inclusive empresas grandes, que não tomam tempo para desenvolver uma visão de longo prazo de seus mercados e produtos ou que ainda acham que não importa que sua estratégia de sustentabilidade não esteja relacionada com sua estratégia de negócios, desde que tenham efetivamente uma estratégia de sustentabilidade que possa mostrar a jornalistas, agências classificadoras de sustentabilidade etc. Como você pode imaginar, não acredito que isso ainda seja relevante.
As instituições de fato estão preocupadas com a questão ambiental?
Laville - A melhor maneira de mostrar que elas estão verdadeiramente preocupadas seria fazer exatamente o que é necessário que as empresas façam, isto é, integrar a sustentabilidade em seu modelo de negócios (mesmo que não estejam ganhando nenhum dinheiro – estou me referindo a não ter uma estratégia de sustentabilidade à parte de sua estratégia de negócios, “séria”), em seus principais processos de tomada de decisões e na forma como avaliam seu impacto. Até agora elas – ao menos não todas elas – não estão tomando visivelmente esse caminho. Ainda assim, existe uma consciência crescente de que as restrições ambientais serão reforçadas ano após ano no futuro, e isto é um sinal de que as instituições estatais estão avançando rapidamente na direção certa.
Em tempo de crise econômica, quais são as possibilidades e os limites de pensar uma economia que leve em conta a sustentabilidade?
Laville - Creio que a crise irá fomentar a sustentabilidade. É interessante que ninguém parece realmente enfrentar a questão principal da atual recessão, que tem a ver com o fato de o mundo financeiro estar totalmente desconectado da economia real e, por conseguinte, também de regras éticas (daí os empréstimos sem garantia, em que os bancos emprestaram dinheiro para ajudar pessoas pobres a comprar sua casa, desconsiderando o fato de que essas pessoas poderiam acabar ficando numa situação financeira difícil,apenas porque achavam que poderiam ganhar até mais dinheiro tomando as casas e as revendendo!).
Mas as tendências no consumo, por exemplo, estão fazendo pressão na direção certa: as pessoas têm menos dinheiro e querem gastá-lo de maneira mais sábia, preferindo, por isso, produtos duráveis ou até consertáveis, tendem a alugar produtos como um serviço em vez de comprá-los (as bicicletas do programa Vélib em toda a Paris podem ser usadas livremente mediante a aquisição de um cartão pelo qual se paga uma assinatura anual), querem comprar diretamente do produtor (especialmente comida; assim, sua comida fica mais barata, mas também local e sazonal, o que também é melhor para o planeta), compram bens de segunda mão (veja a tendência nas roupas clássicas), que é outra forma de aumentar a vida útil dos produtos etc. E na França, por exemplo, os mercados de “produtos responsáveis” (alimentos orgânicos, provenientes de comércio justo, carros mais ecológicos, painéis solares, detergentes ecológicos etc.) são os únicos que ainda estão crescendo a taxas muito boas. Assim, as empresas, em busca de novas alavancas de crescimento, estão entendendo o recado e se dispondo a mudar sua estratégia.
É possível conciliar crescimento econômico e sustentabilidade? Qual é a sua proposta?
Laville - Para mim, é 100% possível reconciliar o crescimento econômico e a sustentabilidade, desde que tiremos proveito do poder das empresas para atacar os difíceis desafios sociais e ambientais de nossa época. Há reais oportunidades de mercado na tentativa de resolver os principais problemas ambientais. Tomemos a construção sustentável como exemplo: a indústria da construção responde por cerca de 40% das emissões de CO2 no mundo inteiro, da geração global de lixo e do consumo global de recursos naturais. E muito pouco foi feito: agora sabemos que temos de mudar a forma como construímos e operamos os prédios, sejam eles moradias de caráter social, sedes de empresas ou escolas.
E há muito dinheiro a ser economizado nesse caminho, muitas inovações a serem desenvolvidas e muitos benefícios humanos também: por exemplo, a maior produtividade humana (porque as pessoas trabalham melhor quando têm iluminação natural e não sofrem da “síndrome do edifício doente” por causa da poluição do ar dentro dele) é, de longe, a principal fonte de benefícios financeiros relacionados aos escritórios ecológicos, respondendo por 70% do total de benefícios (só 11% estão relacionados à economia de energia); e, do lado do emprego, na Alemanha já foram criados 60 mil novos empregos para a gestão alternativa da água em prédios e cidades (colher água da chuva para dar descarga nos vasos sanitários, irrigar os jardins etc.). É todo um mundo novo de oportunidades.
(IHUnisinos, 19/10/2009)