A questão do urânio brasileiro pode tornar-se o real teste dos limites das ambições diplomáticas do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Como é sabido, o Itamaraty lulista prega uma independência estridente, visando acompanhar o crescimento da importância econômica do Brasil. Para críticos, a longa lista de trapalhadas e fracassos na empreitada supera a iniciativa, mas nunca houve um questionamento externo incisivo.
Isso pode mudar. Se há um assunto que é tratado seriamente no mundo, é proliferação nuclear. Ainda que Barack Obama pareça dar prioridade a quase tudo, seus movimentos no setor reforçam o que já fazia George W. Bush: incentivar o controle da produção de combustível que eventualmente possa ser utilizado em armas nucleares.
O medo é dividido em duas vertentes. A primeira é a da proliferação estatal. Desde que foi descoberto no começo da década que cientistas paquistaneses haviam permitido à Coreia do Norte fazer sua bomba e alimentaram países como o Irã e a Líbia com segredos atômicos, Washington teme que regimes que lhe são hostis virem potências nucleares.
O segundo flanco é o do terrorismo. É bem difícil montar uma bomba e ter os meios para jogá-la sobre alguém, mas há uma longa lista de mecanismos simples que precisam de um pouco de material físsil para criar uma confusão dos diabos: são as chamadas bombas sujas, que, se não destroem uma cidade, podem contaminá-la de forma devastadora.
Se o Brasil não preocupa ninguém no segundo item, seu alinhamento ideológico a regimes antiamericanos em nome da tal independência pode gerar uma situação conflituosa quando o que está na mesa é algo mais que um cargo em algum organismo internacional.
O país considera o controle da produção de urânio enriquecido, como defendem os EUA na forma de um banco regulado pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), uma ameaça à sua soberania. É seu direito, ainda mais quando possui reservas importantes de urânio e pretende dominar todo o ciclo de enriquecimento em escala industrial. Mas, ao fazer isso e ao mesmo tempo abraçar o regime do iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o Brasil passa uma mensagem dúbia sobre suas intenções.
Não ajuda muito seu Plano de Defesa quase reclamar da limitação constitucional à bomba e de tempos em tempos alguma autoridade dizer que temos direito ao armamento nuclear. No jogo bruto da diplomacia nuclear, palavras são tão importantes quanto ações.
(Por Igor Gielow, Folha de S. Paulo, 19/10/2009)