“As políticas da União Europeia continuam debilitando o desenvolvimento econômico, social e humano” dos países pobres, apesar de reiterados compromissos assumidos em tratados e declarações, diz um informe apresentado ontem por uma coalizão de organizações não-governamentais europeias. Apesar de esforços para impedir isto e do registro de avanços, ainda “há muito espaço para melhorar”, acrescenta o documento.
O trabalho foi apresentado em Bruxelas pela Confederação de Organizações Não-governamentais Europeias para Assistência e Desenvolvimento – Concord. Suas 18 redes internacionais e 22 associações nacionais de Estados-membros da UE representam mais de 1.600 organizações não-governamentais. Os mecanismos da União Européia são às vezes muito complexos, inclusive para sua própria burocracia. Esse parece ser o caso de “Coerência de políticas para o desenvolvimento” (PCD), um compromisso do bloco assumido para não deixar que outras iniciativas debilitem a cooperação para o desenvolvimento.
A Comissão Europeia, órgão executivo da UE, disse no mês passado que a PCD é difícil de implementar, e propôs concentrar-se em cinco assuntos prioritários: mudança climática, segurança alimentar, migrações, direitos da propriedade intelectual e criação de paz e segurança. É “destacável” que o tema do comércio não figure entre essas cinco prioridades, diz Concord em seu informe “Olhar sobre a coerência política”.
Casos flagrantes como as exportações subsidiadas de carnes bovina e suína e produtos lácteos da UE para a África arruinaram os pecuaristas e criadores apoiados pelo mesmo bloco, diz o estudo. “Deve-se dar nome aos bois. De outro modo, dá a impressão de acobertamento”, afirmou Rob van Drimmelen, secretário-geral da Aprodev, uma coalizão de 17 organizações europeias que promovem o desenvolvimento e que é integrante da Concord. É absolutamente necessário que o comércio seja incluído, destacou.
Porém, o comércio não é a única área onde as políticas entram em conflito com os objetivos de desenvolvimento da UE. A Concord critica os Estados-membros do bloco porque, “cada vez, usam a assistência ao desenvolvimento para controlar os fluxos migratórios e reduzir as migrações irregulares”. Frequentemente, a assistência ao desenvolvimento se realiza em função das necessidades europeias, mais do que do país receptor, segundo o informe. Cita como exemplo a Mauritânia, que destinou oito milhões de euros (US$ 12 milhões) do Fundo Europeu de Desenvolvimento para o “manejo de fluxos migratórios”.
Em 2006, a UE anunciou que destinaria 2,45 milhões de euros (US$ 2,6 milhões) para ajudar a Mauritânia a tratar as questões migratórias. Desde então, milhares de imigrantes africanos que tentaram chegar às ilhas Canárias através da Mauritânia foram detidos e mandados de volta, à força, para Mali e Senegal. A pressão sobre as migrações da própria África ocorre parcialmente a partir de ouras políticas europeias, segundo o estudo.
“As políticas comerciais, agrícolas e pesqueiras da União Europeia que buscam principalmente satisfazer demandas da Europa” podem ter empurrado os pequenos produtores rurais, pescadores e outros empreendedores para um périplo migratório que provavelmente nunca antes haviam considerado, diz o documento.
Os autores do informe Concord veem muitas razões para a falta de progresso na coerência de políticas. “Não existe uma obrigação de ser coerente. A UE tem apenas de ‘levar em conta’ os efeitos de outras políticas no desenvolvimento. Isso é como dizer que alguém pode pecar desde que depois confesse seus pecados”, disse Van Drimmelen, da Aprodev. Alguns representantes da Comissão Europeia afirmam que estão ocorrendo avanços.
“Por exemplo, aumentamos o grau de PCD na Política Comum Agrícola, diminuindo os subsídios às exportações e reduzindo outros efeitos que alteram o comércio”, disse Françoise Moreau, diretora geral para o Desenvolvimento. “Este é um esforço em curso. Ao mesmo tempo, tentamos promover os efeitos positivos entre as diferentes políticas. Na área de pesquisas, estamos ajudando as nações em desenvolvimento a terem acesso a programas europeus de pesquisa”, acrescentou.
Moreau disse que o comércio não foi eliminado como objetivo dos esforços da PCD. “Definimos cinco desafios para permitir um enfoque mais dinâmico. Quando nos fixamos na segurança alimentar vemos que está envolvida na política comercial, como estão as questões agrícola e energética. Não queremos reduzir o alcance da PCD”, ressaltou.
“Nossa principal aspiração com as nações em desenvolvimento é melhorar o acesso ao mercado, garantindo que o comércio estimule o crescimento e reduza a pobreza”, afirmou Silvia Formentini, da Direção Geral para o Desenvolvimento. Para ela, a Comissão Europeia também está comprometida com um “forte resultado de desenvolvimento” da Rodada de Doha de negociações comerciais internacionais.
A Concord reclama maior transparência e responsabilidade por parte da União Europeia. Deveria definir-se claramente uma “hierarquia de valores”, na qual as políticas favoráveis aos pobres e de desenvolvimento sustentável formem a base das políticas do bloco. Como parte integral dos processos de elaboração de políticas, as consultas e os debates democráticos podem garantir que os direitos e interesses dos habitantes de países em desenvolvimento sejam levados em conta, diz o informe. A UE necessita de parâmetros claros para avaliar se deve estabelecer outra prioridade acima das considerações sobre o desenvolvimento, acrescenta. Um mecanismo de queixas poderia melhorar a responsabilidade e a coerência.
(Por Peter Dhondt, IPS / Envolverde)