Empresário recua após repercussão negativa de suas investidas para obter controle da maior empresa privada do país. Eike nega ter feito as críticas a mando do governo ou em sintonia com os setores oficiais que querem mudar o comando da Vale
Após insistir sem sucesso para adquirir o controle da Vale, o empresário Eike Batista disse nesta quinta (15/10) ter desistido da compra da mineradora. "No momento, desisti", afirmou ele à Folha. O recuo de Eike, empresário mais rico do Brasil, decorre, em parte, da repercussão negativa -e, segundo ele, extremamente injusta- de suas entrevistas recentes. Eike não descartou a compra da Vale em algum outro momento. "Meus comentários foram de cunho técnico/profissional, sem nenhuma espécie de conotação política", disse ele, em entrevista por e-mail. "Não sou um político, mas um empresário interessado na excelência. Jamais discuti o futuro da Vale ou a performance de sua administração."
No último final de semana, Eike fez coro ao governo ao criticar a gestão da Vale, presidida por Roger Agnelli, e ao sugerir a substituição do executivo por Sérgio Rosa, presidente da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, muito ligado ao governo petista.
"Manifestei o nome de Sergio Rosa dentro do contexto da pergunta. De como via a hipótese de compartilhar o controle da Vale, uma vez que só tenho participação majoritária nas empresas do meu grupo", afirmou Eike. "Respondi que não via maiores problemas em sentar no conselho, opinar sobre as diretrizes da empresa e ter um Sérgio Rosa, por exemplo, como presidente."
Pressão menor
O recuo de Eike ocorreu no mesmo dia em que arrefeceram os ataques oficiais para derrubar Agnelli -executivo indicado pelo Bradesco para comandar a maior empresa privada do país. O banco divide o controle da mineradora juntamente com fundos de pensão de estatais (entre as quais a Previ), o BNDESpar e a japonesa Mitsui. Eike negou ter feito as críticas a mando do governo ou em sintonia com os setores oficiais que querem derrubar Agnelli.
O empresário, no entanto, admitiu ter conversado sobre o tema com Sérgio Rosa. "Falei com ele apenas na oportunidade em que fiz a sondagem informal ao Bradesco, uma vez que os demais acionistas têm direito de preferência na venda de ações do bloco de controle." Na entrevista publicada no último domingo pelo jornal "Estado de S. Paulo", Eike disse que estaria disposto a comprar uma fatia da Vale mesmo se fosse para deixá-la nas mãos de Rosa, umbilicalmente ligado ao PT e adversário de Agnelli na Vale.
Eike, no entanto, não vê na declaração que deu qualquer conotação política. E creditou a confusão toda ao acaso. "Meu interesse pela participação do Bradesco veio à tona na mesma ocasião em que determinadas críticas à administração da Vale foram veiculadas pela imprensa. Tudo não passou de mera coincidência", argumentou. O empresário disse que seu interesse na Vale é meramente comercial, "sem qualquer cunho político". E que suas observações sobre a companhia mineradora refletem apenas um cálculo empresarial.
"As pessoas esquecem que um investimento de bilhões, como o do caso presente, precisa se pagar. Sem a perspectiva do retorno adequado, não há justificativa para a realização de investimento do gênero", disse Eike.
Encontro com Lula
Ele admitiu ter conversado recentemente com o presidente Lula, mas não sobre o assunto Vale. "Conversei com o presidente em Nova York sobre o Brasil em geral e o futuro promissor que nos aguarda." Apesar de seu recuo na intenção de comprar a Vale, Eike afirmou que suas observações sobre as operações da Vale, todas técnicas e voltadas para a excelência, segundo ele, continuam válidas.
"Por um acaso estou errado ao dizer que a projetada compra da Xstrata poderia ter quebrado a Vale ou que a empresa deveria deixar de exportar, apenas, matéria-prima no lugar de produtos de valor agregado?", afirmou. Foi uma referência à suposta resistência de Agnelli a investir em siderurgia no Brasil, optando por exportar matéria-prima sem valor agregado. Foi, ainda, uma referência ao fato de a Vale ter feito uma proposta para comprar a gigante de mineração Xstrata, sediada na Suíça.
Lula desiste de tirar Agnelli, mas quer influir
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia que não vale a pena comprar uma briga com o Bradesco para derrubar Roger Agnelli do comando da Vale. No entanto, faz pressão para influenciar nas decisões estratégicas da empresa e nos seus planos de investimento. E apoia o desejo de fundos de pensão de estatais federais de derrubar diretores da mineradora. A situação política de Agnelli já esteve pior no governo. O armistício entre Lula e ele foi selado em agosto, como revelou a Folha. O presidente desidratou as ameaças de bastidor pela troca de comando, mas manteve a pressão para influenciar nos rumos da Vale.
É nesse contexto que deve ser entendida a nova tensão entre a cúpula do governo e a Vale. Lula e ministros que antipatizam com a gestão de Agnelli, vista como mera exportadora de minério cru, bombardeiam pública e reservadamente o comando da Vale. Uma eventual entrada de Eike Batista na empresa é vista com simpatia pelo presidente e por ministros, mas eles sabem das dificuldades para que isso aconteça.
Por um acordo de acionistas, o Bradesco indicou Agnelli à presidência da Vale. Como o banco recusou a proposta de Eike pela sua participação na empresa, esse caminho está, por ora, inviabilizado. A venda de parte de ações dos fundos para Eike, discutida reservadamente e negada publicamente ontem pelo empresário, não é uma operação simples.
Por direito de preferência, os fundos precisariam oferecer suas ações ao Bradesco e ao grupo japonês Mitsui. Uma empresa em valorização, num momento de recuperação econômica, seria vista por esses sócios como uma oportunidade. Um ministro diz que provavelmente os fundos teriam de vender ações a seus sócios. Mais: é do interesse dos fundos manter as suas participações.
Ciente dos limites práticos na disputa com Agnelli, Lula investe na pressão política. Lula e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, argumentam que uma empresa que tem participação de capital público tem de ouvir a opinião do governo ao explorar reservas minerais estratégicas e não-renováveis. Daí Eike ter ganho pontos com Lula e Dilma, pois apresentou uma visão de gestão da empresa mais afinada com o que pensa o governo: agregar valor ao minério.
A ofensiva de propaganda da Vale para dizer que investia no Brasil desagradou ao presidente porque soou como uma resposta. Agnelli é descrito como arrogante e ingrato a Lula, que o teria prestigiado antes da crise e não teria encontrado apoio numa hora difícil. O presidente se queixa de que a atitude conservadora da Vale no início da crise, demitindo e cortando investimentos, gerou uma expectativa negativa em cadeia no setor privado e dificultou os planos do governo para gerenciar a crise.
A tendência é que ocorra acomodação política, com Lula e Agnelli cedendo. A troca de pelo menos um diretor da empresa poderá ser uma resposta aos fundos de pensão, a fim de acalma-los. Mas é algo que, depois da pressão pública pela queda, torna a operação mais difícil, pois transmite ideia de ingerência do governo na maior empresa privada do país.
(Por Marcio Aith e Kennedy Alencar, Folha de S. Paulo, 16/10/2009)