“A grande transformação vem da criação de grandes grupos de empresas que estão comprando umas as outras ou então trabalhando no sentido de fusão e, com isso, tem se formado grupos bastante grandes”. Isso é o que vem ocorrendo no setor da carne no RS, segundo o vice-presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA-RS).
Em entrevista à IHU On-Line, feita por telefone, ele reflete sobre o atual panorama do mercado da carne no RS e fala sobre a Marfrig e sua união ao frigorífico Mercosul, a fusão entre a Sadia e a Perdigão – criando, portanto, a Brasil Foods – e, ainda, a compra da Bertin pela Friboi, que se tornou a terceira maior indústria do país, ficando atrás somente das gigantes Petrobras e Vale.
“Essa tem sido uma política orientada no país para a formação de grupos fortes de empresas bastante grandes com capacidade de captação de recursos no exterior. Mas, por outro lado, isso traz um reflexo para todos nós porque a concorrência para o consumidor é sempre mais saudável”, afirmou.
Confira a entrevista.
IHUnisinos – Que análise o senhor faz do mercado da carne do RS hoje?
Luiz Araujo Costa – O setor da carne está passando por uma transformação muito grande, não só no RS, mas no Brasil. A grande transformação vem da criação de grandes grupos de empresas que estão comprando umas as outras ou então trabalhando no sentido de fusão e, com isso, tem se formado grupos bastante grandes. O que aconteceu no Brasil com o Friboi, que adquiriu recentemente a Bertin, e se tornou a terceira maior indústria do país. Com isso, ele só perde para a Petrobras e para a Vale do Rio Doce. Nós não estamos falando de pouca coisa. Aqui no RS, isso aconteceu com a Marfrig, que vem adquirindo várias empresas. Recentemente, adquiriu o controle – na verdade, eles falam em arrendamento – do grupo Mercosul, como também a Penasul e outras plantas de abate de peru.
Nesse contexto, de abate da carne, os trabalhadores estão numa situação bem complicada. O mercado da carne, principalmente o mercado bovino, sempre foi muito instável. Até alguns anos atrás, tínhamos várias plantas frigoríficas fechadas, falidas, pela situação que o mercado da carne mundial vivia. Hoje, num outro momento econômico que o Brasil vive, começam a se formar esses grandes grupos. Por um lado, os trabalhadores têm aquela tranquilidade de começar a prestar serviços para grupos que têm uma solidez econômica maior e, portanto, eles não vão viver o que viveram há algum tempo quando as plantas fechavam sem pagar os direitos trabalhistas. Por outro lado, sabemos que esses monopólios são ruins para a população em geral.
Por quê?
Costa – Porque a eliminação da concorrência encarece o produto final. Ela também fecha as plantas menores e concentra produção nas plantas melhores, aumentando o ritmo de trabalho dos trabalhadores, assim como as doenças profissionais. Normalmente, esses grupos grandes têm uma política de remuneração muito baixa para os trabalhadores em frigorífico. É dentro deste contexto que estamos situados. O setor da carne é muito forte para a economia, está totalmente voltado à exportação. Temos plantas pequenas de expressão estadual, mas as grandes plantas frigoríficas são voltadas para a exportação. Com o setor suíno e de aves acontece a mesma coisa.
O setor da carne está concentrado nas mãos do grupo Marfrig – que inclui o grupo Seara – e o grupo Friboi, que, com essa aquisição da Bertin, tornou-se uma grande potência, inclusive em termos de tamanho, passando a Brasil Foods, que fundiu a Sadia e a Perdigão. O Friboi, correndo por fora, conseguiu construir uma estrutura ainda maior, e isso nos traz uma preocupação. Essa tem sido uma política orientada no país para a formação de grupos fortes de empresas bastante grandes com capacidade de captação de recursos no exterior. Mas, por outro lado, isso traz um reflexo para todos nós porque a concorrência para o consumidor é sempre mais saudável, quanto mais grupos operando no mesmo setor, melhor para todos. Então, eu poderia dizer que seria esse o panorama do setor de carnes no RS.
O que significa, nesse momento, a Brasil Foods?
Costa – Para nós, o significado da Brasil Foods é o significado de uma empresa que se torna um grande monopólio no setor de aves. Esse monopólio nos preocupa diante do reflexo que há a partir de todo monopólio criado. Há várias plantas menores sendo fechadas, certamente teremos aí demissão de trabalhadores, e estimamos que, consolidada a fusão entre Sadia e Perdigão, tenhamos uma perda de cerca de dez mil postos de trabalho no país todo. A Perdigão e a Sadia têm os seus departamentos de recursos humanos espalhados por todo o país. Evidentemente, eles não vão ficar com dois RHs. Portanto, um vai ser extinto e alguns trabalhadores vão perder seus postos. Assim vai acontecer com plantas que ficam próximas umas da outras.
Um grupo grande não vai manter duas plantas muito próximas. Isso aconteceu com a AmBev, por exemplo, o que significou menos trabalhadores, produzindo mais bebidas. No setor de frango não vai ser diferente. Fora o que vai ter de reflexos no setor primário, porque o produtor do frango, não tendo a diversidade de indústrias, vai ficar refém de um grupo, ou seja, o preço que esse grupo estabelecer, o setor primário vai ser obrigado a cumprir. E o consumidor, por sua vez, ao chegar ao supermercado, não vai ter mais as opções que tinha. Há um reflexo no preço da carne, o setor primário vai ter problemas, e os trabalhadores terão aumento do ritmo de trabalho.
Como o acordo firmado pelo Grupo Marfrig altera o mercado da carne no RS?
Costa – Na questão do mercado da carne em si, acredito que não altera muito. O Marfrig, aqui no estado, adquiriu plantas que tinham contratos de exportação com a União Europeia, com a Rússia, com o Oriente Médio, enfim. O Marfrig chega para qualificar e expandir a exportação. Nesse aspecto, temos certeza de que a ideia do grupo é expandir a produção. Para a balança comercial, certamente existem os pontos positivos e não podemos negar. Grupos nacionais fortes com capacidade de captação de recursos no exterior, para que esses recursos venham para a economia nacional, certamente, têm um impacto positivo.
Por outro lado, a gente sabe que a formação desses grandes grupos atrai capital internacional. Eles acabam se tornando economias de capitais aberto e, por consequência, isso é adquirido por empresas estrangeiras, e grupos nacionais se transformam em multinacionais. Isso faz com que a economia não acabe só no Brasil. Analisando pela questão econômica, não acredito que o acordo tenha impacto negativo nesse sentido de exportação. Os impactos que vamos sentir é a partir do monopólio que traz em si a questão da concorrência predatória, então, quem vai sentir os efeitos são as indústrias pequenas e o produtor.
O Grupo Marfrig só não tem controle de uma única planta no RS que é a de Santa Maria. Todas as outras que estão voltadas à exportação estão nas mãos da Marfrig. O trabalhador e o produtor sofrerão as consequências desse mercado mais restrito. A mão de obra não tem opção de escolha, ou trabalha para o Marfrig ou muda de ramo.
Nesse sentido, qual é o papel do consumidor?
Costa – Não tenho dúvida de que o papel do consumidor é fundamental. Como a gente diz, numa sociedade capitalista – deixando bem claro que o movimento sindical tem um olhar diferente, e gostaria de ter uma sociedade baseada em outros princípios que não o da lucratividade – o ator principal é o consumidor. Ou seja, se o consumidor começar a sentir que a economia local está tendo problema, que o preço está sendo concentrado em todas as mazelas que citamos, uma reação popular certamente obrigaria o governo a, no mínimo, estabelecer regras claras para esses monopólios.
(IHUnisinos, 14/10/2009)