O Censo Agropecuário (IBGE) foi implacável com as empresas agroquímicas e empresários rurais ( e indiretamente com o Governo) ao trazer à luz uma verdade indiscutível: parcela significativa dos agricultores não recebe assistência técnica ou conta com auxílio de equipamentos adequados de proteção individual e se expõe perigosamente aos agrotóxicos (que são veneno e não remedinho de planta!).
Muitos são os motivos que explicam este cenário desfavorável. Em primeiro lugar, a baixa escolaridade dos trabalhadores rurais dificulta o acesso e o entendimento das informações sobre os agrotóxicos e seus riscos. Em segundo lugar, a orientação técnica não é prestada para a maioria dos estabelecimentos que usam agrotóxicos, falhando nesse processo tanto as agroquímicas como a assistência oficial, notadamente para propriedades de pequeno porte. Finalmente, a propaganda abusiva , nem sempre correta e o interesse em aumentar o consumo a qualquer custo acabam incentivando a aplicação, com prejuízos aos que estão no campo mas também aos que consomem os produtos na cidade.
O censo do IBGE evidenciou o aumento do número de propriedades que utilizam agrotóxicos (mais de 50% de 1996 a 2006), exatamente em estabelecimentos de pequeno porte onde a falta de assistência e a baixa escolaridade são mais percebidas.
A ANVISA tem se empenhado (e merece aplausos por isso) no sentido de coibir abusos, mas tem enfrentado o poder de fogo (lobby formidável) das agroquímicas (irmãs siamesas das empresas de biotecnologia) que fazem o diabo (bota diabo nisso) para incentivar o consumo, com o discurso hipócrita do aumento da produtividade da lavoura e do controle efetivo das pragas.
Está certo, os agrotóxicos combatem as pragas (e ao mesmo tempo provoca o surgimento de outras), mas também afrontam o meio ambiente, poluindo a água, o solo, o ar e penalizando, de maneira dramática, a saúde dos que os manipulam, tomam contato com eles ou se servem dos alimentos por eles contaminados. Pesquisas a este respeito têm sido divulgadas há um bom tempo, mas tem sido difícil fiscalizar e sobretudo punir aqueles que contrariam a lei em nome do lucro, da ganância e da falta de compromisso com a saúde e o meio ambiente.
Recentemente, dois episódios lastimáveis trouxeram à tona a realidade do setor de agrotóxicos no Brasil, envolvendo duas grandes agroquímicas mundiais. Para evitar qualquer contrariedade pessoal (é conhecida a truculência midiática e jurídica de algumas corporações), vamos citar literalmente os comunicados da ANVISA e do IBAMA referentes à irregularidades, respectivamente, nos produtos da Bayer e da Basf.
Diz a ANVISA (http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2009/280909.htm): “ A Agência Nacional de Vigilância Sanitária interditou (dia 24 de setembro de 2009), 1 milhão de litros de agrotóxicos adulterados, em Belford Roxo (RJ). A fiscalização, realizada pela Agência com apoio da Polícia Federal, ao longo de toda semana passada na empresa Bayer, de origem alemã, identificou a produção de agrotóxicos com formulação adulterada, sem autorização dos órgãos competentes.
No total foram encontradas irregularidades em 12 agrotóxicos. O caso mais grave, identificado pela Agência, foi a importação do ingrediente ativo do agrotóxico Procloraz e a produção do agrotóxico comercial Sportak 450 EC, sem controle obrigatório de impurezas toxicologicamente relevantes. A falta desse controle pode causar câncer nos trabalhadores expostos ao agrotóxico e na população que ingere alimentos contaminados com tais produtos”.
O comunicado da ANVISA informa também que a interdição é válida por 90 dias e lembra que, no começo deste ano, a Baher teve o registro do agrotóxico Evidence (utilizado nas culturas de cana de açúcar e fumo) cancelado. Isso ocorreu porque era produzido com adulteração na fórmula.
Já o IBAMA (www.ibama.gov.br/2009/10/ibama-multa-basf-por-agrotoxico-irregular/) informa: “Por produção e comercialização de agrotóxicos em desconformidade com a licença obtida, duas filiais da Basf SA. foram autuadas pelo IBAMA. A operação apreendeu 99 sacos de 15 Kg do agrotóxico Granutox 150 G, armazenados na empresa em Ibiporã/PR... O ingrediente ativo Forato, utilizado no Granutox 150G, foi um dos selecionados para ser reavaliado devido a indícios de danos ambientais constatados por meio de restrições de uso, banimentos e cancelamentos em outros países. Uma das reavaliações do ingrediente ativo foi conduzida pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos – EPA.
A agência norte-americana demonstrou preocupação em relação às características ecotoxicológicas deste ingrediente ativo. Os riscos para aves e peixes foram considerados elevados... O Forato também se encontra na lista dos ingredientes ativos a serem reavaliados pela ANVISA devido a indícios de danos à saúde humana”.
Como se pode depreender das notícias acima, é preciso que as autoridades realmente aumentem a fiscalização e ajam com rigor diante do avassalador despejo de produtos químicos na agricultura brasileira (somos o segundo maior consumidor de agrotóxicos do mundo!) e da falta de responsabilidade de empresas e empresários rurais (que deveriam oferecer os equipamentos de proteção para os seus trabalhadores) . É necessário ainda um programa amplo e competente de esclarecimento voltado sobretudo para os trabalhadores rurais, a maior vítima dos agrotóxicos.
Sabemos todos que as agroquímicas costumam ter trânsito livre nos cursos de ciências agronômicas, com ações desencadeadas para seduzir os futuros profissionais, qu elas patrocinam eventos em agropecuária e investem pesado nas mídias especializadas da área. Ou seja: há um esforço importante no sentido de criar uma imagem positiva para o veneno, utilizado indiscriminadamente, com riscos à saúde e ao meio ambiente.
A imprensa deve estar mais vigilante em relação ao material que provém do Setor (que insiste em utilizar a expressão defensivos agrícolas como forma de mascarar o seu teor tóxico), buscando sempre contrapor fontes que fazem a apologia dos agrotóxicos com outras que sistematicamente têm denunciado os problemas por ele causados. Uma delas, de absoluta competência, é a Fiocruz e que recorrentemente desenvolve pesquisas para confirmar o impacto dos agrotóxicos na saúde humana. Elas revelam quase sempre estatísticas dramáticas de contaminação no ser humano (leite materno, sangue etc) e nos produtos servidos à população.
Não é possível reproduzir sem questionamento materiais e ações provenientes destas corporações (releases, coletivas de imprensa, folhetos etc) porque há grandes interesses em jogo. É necessário mesmo desconfiar sempre de fontes aparentemente técnico-científicas que se manifestam a seu favor porque setores poderosos (movimentam bilhões de dólares anualmente) como agroquímica, biotecnologia, e a indústria da saúde em geral etc costumam valer-se deles para influenciar a opinião pública.
Os jornalistas e a sociedade, em especial os profissionais em ciências agronômicas, de saúde e os trabalhadores rurais, devem estar atentos à investida deste lobby formidável em favor do veneno , contribuindo para um debate amplo sobre o seu impacto na saúde e no meio ambiente.
Agrotóxico mata e não é , nem nunca foi, remedinho para planta. É essencial analisar a relação custo x benefício de sua aplicação levando em conta sempre a qualidade de vida, a proteção da biodiversidade, a defesa dos cidadãos menos esclarecidos que se vêem expostos, como acentua o censo do IBGE, a estes produtos.
Das autoridades esperamos que ajam com o rigor se crimes ambientais e à saúde estiverem sendo cometidos por empresas do Setor e que conclamem a sociedade, os movimentos organizados, os sindicatos de trabalhadores para a luta em prol da saúde e do meio ambiente.
Não pretendemos aqui fazer juízo antecipado em relação aos comunicados recentes da ANVISA e do IBAMA, confiando na decisão final e na punição exemplar dos infratores, se as irregularidades forem confirmadas. A sua absolvição nestes casos, no entanto, não atenua as suspeitas em relação a posturas socialmente não responsáveis.
Queremos uma agricultura limpa e repudiamos posturas e procedimentos que, em nome do lucro, comprometem a sustentabilidade. Vamos dar um basta a esta onda tóxica que invade a agricultura brasileira.
Em tempo 1: Algumas corporações costumam promover concursos para jornalistas como forma de mascarar suas verdadeiras intenções e é triste perceber como, em nome de algum dinheiro, colegas se prestam a legitimar este processo sujo de limpeza de imagem. Mas eles têm o direito (estamos numa democracia) de fazer isso, ainda que, pela minha ética particular, julgue que deveriam ser mais críticos. E elas têm o mesmo direito de tentar a todo custo impor o seu discurso “verde” e de continuarem faturando bilhões com seus produtos tóxicos.
Em tempo 2: Não acredite em empresas que proclamam embaixadores ambientais, processos de gestão ambientais competentes, mas que lesam os consumidores e cidadãos por debaixo dos lençóis. Assim como alguns de seus produtos, elas têm uma imagem falsificada.
Em tempo 3: não acredite no discurso cínico de algumas empresas de biotecnologia que insistem na tese de que a oposição aos transgênicos se origina de empresas agroquímicas porque elas são a mesmas e quase sempre trabalham em regime de venda casada: quem compra semente, depende invariavelmente do agrotóxico. Como diz o caboclo, tem gato na tuba nessa história. E , se tiver tempo, leia o livro (tem edição em português) e assista ao documentário (está disponível na rede) O mundo segundo a Monsanto. A partir dele, é possível entender como determinadas coisas funcionam, inclusive a relação espúria, nefasta entre o poder político e o poder econômico em todo o mundo.
(Por Wilson Bueno, Blog do Wilson, 11/10/2009)