Agendada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, a última reunião de que o presidente da Vale, Roger Agnelli, participou com a cúpula do governo, em 8 de setembro, foi marcada por um bate-boca com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do qual tinha aval, e do dirigente do BNDES, Luciano Coutinho, Mantega acusou a mineradora de apostar na crise, desprestigiar fornecedores brasileiros e recusar-se a dialogar com a União. Agnelli rebateu. Mas não convenceu: Lula considerou-se rompido com o presidente da maior empresa privada do país.
No núcleo do governo, a avaliação é que a relação entre Lula e Agnelli está enterrada. Lula confidenciou a interlocutores sua frustração, por acreditar que a Vale está “vendendo as riquezas do subsolo brasileiro” sem pensar na industrialização do país. Isso, sustenta, só tem um efeito prático: valorizar as ações do Bradesco e demais acionistas, sem ganho para a sociedade.
— Acho que o Agnelli já era. Ele perdeu a agenda — avaliou a líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC).
Para analistas, Agnelli precisa "sumir do noticiário"
O encontro foi no gabinete presidencial no Centro Cultural Banco do Brasil, sede provisória do governo. Como o clima já era azedo, Agnelli recorreu a Dirceu — que, quando era chefe da Casa Civil, aproximou-o de Lula — para marcar a reunião. Dirceu afirmou que o encontro seria uma tentativa de reaproximação, mas teve o efeito oposto. Segundo os relatos, o clima foi tenso e Lula evitou falar.
Coube a Mantega — aborrecido com a demissão, da diretoria da Vale, de seu ex-braço direito Demian Fiocca — externar o descontentamento oficial. Mantega cobrou a ausência de investimentos em siderurgia, o que reforça a imagem de empresa de matéria-prima. E afirmou que a Vale não estava comprando no Brasil, numa referência à aquisição de navios no exterior. Agnelli explicou ter tentado efetuar a compra no Brasil, mas que os estaleiros não cumpririam os prazos. E disse que a Vale iria mostrar que o governo estava errado em sua avaliação.
Logo após, a empresa lançou uma ampla campanha publicitária, vista pelo governo como “resposta malcriada” e “bate-boca público” com Lula. Para a cúpula federal, Agnelli teve uma postura hostil e arrogante.
Lula começou, então a estimular a ofensiva do empresário Eike Batista, dono do Grupo EBX, as críticas dos fundos de pensão e as cobranças da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, numa operação orquestrada. Lula deixou claro seu aval à desestabilização de Agnelli ao não recebê-lo na terça-feira.
Ao perceber a aversão a seu nome no Planalto, Agnelli buscou outros setores do governo. Quando seu pedido de audiência com Lula foi recusado, ele foi ao gabinete do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
— Ele queria fazer uma exposição sobre as obras da Vale no Brasil, no Maranhão, me deu um livro muito bonito — disse Lobão.
Conselheiros de Agnelli recomendam, agora, que ele evite exposição pública e não tente uma aproximação direta com o Planalto nos próximos dias.
— Roger não soube manter a distância do presidente. A recomendação é recolher os flaps. Tem de sumir do noticiário para esperar a poeira baixar — disse um interlocutor de Agnelli, admitindo que este ficou “muito encantado” com seu trânsito no Planalto.
Ainda assim, eles garantem que Agnelli resistirá e que a pressão não terá efeitos práticos sobre a direção da Vale. Se ele sair agora, a ingerência política fica caracterizada, abalando a credibilidade da empresa.
— Se Roger cair, as ações da Vale desabam, e o Lula não gostaria de ser responsabilizado por isso. Além disso, os grandes acionistas (fundos, Bradesco e o japonês Mitsui) não iriam querer saber de queda de ações agora. Até porque elas ainda não voltaram aos valores pré-crise — disse um analista.
Mudanças na Vale seriam, no máximo, em diretorias
Isso foi confirmado por um alto executivo do Bradesco, que não está disposto a ceder, demitir Agnelli ou vender ações a Eike. Porém, para apaziguar os ânimos, algumas diretorias, como a de Recursos Humanos, poderiam ser trocadas.
— Mas o Roger continua — disse a fonte.
— A interferência é muito pesada. Imagine se as empresas cedem à pressão: elas vão ficar à mercê do governo.
Para analistas, o vazamento da pressão sobre Agnelli seria uma estratégia pessoal de Eike, com o aval de integrantes influentes da Presidência. O objetivo seria dar-lhe cacife para outros negócios, mostrando-o como um empresário com trânsito no governo e arrojo suficiente para abalar a Vale.
Mas o fato de Eike ter tornado pública sua vontade de adquirir a participação do Bradesco e dos fundos de pensão na Vale não faria sentido, pois não foi bem-sucedida. Afinal, no mundo dos negócios só se divulgam compra e venda de empresas depois de concluídas.
(Por Gerson Camarotti, Gustavo Paul e Geralda Doca, O Globo / IHUnisinos, 15/10/2009)