Os campos eletromagnéticos são uma fonte de poluição ainda pouco estudada no Brasil. Na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), uma pesquisa sugere que as crianças que moram a uma distância de até 200 metros das linhas de transmissão de eletricidade são mais propícias a desenvolver leucemia. O trabalho pretende estimular novas investigações sobre possíveis efeitos dos campos na saúde da população.
A tendência, apontada pela bióloga Ciliane Matilde Sollitto em sua tese de doutorado, foi verificada por meio de técnicas de geoprocessamento. “Foram considerados todos os casos notificados de leucemias entre crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, do banco de dados do Registro de Câncer de Base Populacional do Município de São Paulo entre 1997 e 2004”, relata. “Dos 1709 casos, 693 registros foram georreferenciados, ou seja, tiveram sua localização fixada no mapa da cidade.”
Ao mesmo tempo, foram elaborados mapas registrando faixas de distâncias pré-estabelecidas ao longo das linhas de transmissão de energia elétrica no mapa da cidade de São Paulo, que serviram de base para a análise da influência dos campos eletromagnéticos em relação aos casos de leucemias. “Entre outros trabalhos, a análise se baseia em um estudo realizado no Reino Unido, com aproximadamente 6 mil casos registrados de leucemia infantil”, conta a pesquisadora. “Essa pesquisa revelou que havia uma tendência de maior incidência de leucemia entre crianças que residiam entre 200 e 600 metros das redes de transmissão de eletricidade.”
Os dados sobre as linhas e os casos georreferenciados de leucemia foram combinadas com a estatística populacional da cidade, obtida no censo do IBGE em 2000. O cruzamento das informações mostrou que nas áreas situadas a até 200 metros das redes de transmissão, a ocorrência de leucemia foi estimada em 22,46 casos por 100 mil habitantes, mais do que a incidência geral do município de São Paulo, que é de 19,34 casos em cada 100 mil moradores.
Exposição
A pesquisadora defende que novos estudos epidemiológicos sejam realizados sobre poluição eletromagnética. “É preciso investigar mais a fundo a exposição das pessoas a esse tipo de poluente, mais uma dentre as várias formas de poluição existentes na cidade”, ressalta. Ciliane também recomenda o aprimoramento dos registros de morbidade na cidade de São Paulo. “Como a leucemia infantil é passível de cura em cerca de 85% dos casos, é necessário obter dados precisos sobre sua incidência, e não apenas o número de mortes”, ressalta.
Os prováveis impactos das radiações não-ionizantes na saúde humana, especialmente entre crianças, são objeto de estudos internacionais aprofundados desde 1979, desde que a Agência Internacional do Câncer considera que os campos eletromagnéticos são possivelmente carcinogênicos.
A bióloga, funcionária da Prefeitura de São Paulo, começou a pesquisar a questão da poluição eletromagnética a partir de 2000, para atender as demandas de moradores de City Boaçava (Zona Oeste da capital), que questionavam sobre os possíveis efeitos do aumento da tensão nas linhas de transmissão pretendida pela concessionária de energia. Na dissertação de Mestrado, apresentada em 2006, Ciliane trabalhou com plantas indicadoras de poluição, orientada pelo professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da FMUSP.
“Esse trabalho demonstrou que as plantas também apresentavam sensibilidade aos campos eletromagnéticos, do mesmo modo que acontece com a poluição atmosférica, podendo servir também como bioindicadores”, lembra a pesquisadora. A pesquisa para a tese de doutorado, defendida em abril deste ano, teve orientação do professor Luiz Alberto Amador Pereira.
(Por Júlio Bernardes, Agência USP de Notícias / EcoDebate, 15/10/2009)