Em 2008, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou uma lei que proíbe o tráfego de carroças nas ruas da Capital. Quero pedir licença aos paisanos do interior que me escutam ou lêem, por trazer um tema pontual, mas é demasiado importante, e entendo que este fato pode abrir o precedente para a proliferação de leis que acentua o processo de exclusão social – colocando à margem aqueles que já estão perifericamente fora do processo.
A lei nº 10.531/2008 foi apresentada pelo vereador Sebastião Melo e aprovada pela Câmara Municipal. A lei instituiu o Programa de Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal e de Veículos de Tração Humana, popularmente conhecida como a “Lei das Carroças”. A lei estabelece, dentre outras medidas previstas, o prazo de oito anos para que seja proibida, em definitivo, a circulação de veículos de tração animal ou humana no trânsito, abrindo exceções para a possibilidade do uso em locais privados, áreas rururbanas, em zonas periféricas, em rotas e baias que sejam autorizados pelo Executivo Municipal e para fins de passeios turísticos.
Por solicitação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, o Ministério Público Estadual ingressou em Maio deste ano com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), por entender que a proposta não poderia ter partido do Legislativo. Esta semana o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou improcedente a ADIn proposta pela Procuradora-Geral de Justiça do Ministério Público Estadual; foram 15 votos a 7.
O autor da lei, Sebastião Mello, comemorou a vitória. Esta decisão abre um espaço para outras leis, que são enquadradas como com vício de origem; isso significa que instrumentos legais deste tipo só podem ser propostas pelo Executivo, e neste caso foi pelo Legislativo, o que caracteriza como vício de origem. Os defensores do projeto alegam que trata-se de um programa, que tem interface direta com o Executivo.
Esta lei é emblemática; demonstra como a classe média, a elite e tudo que isso representa pensa e entende o espaço das cidades. Essa “gente feia e suja”, no entendimento deles, que cata lixo e restos dos seus hábitos sedentários de consumo não pode obstruir o trânsito para seus carros novos e brilhantes. Esta lei é uma preparação para a Copa, pobres, feios e sujos, não ficam bem na foto dos cartões postais. Carroças e carrinhos não são “esteticamente adequados” para “uma cidade do moderna e desenvolvida” como a capital dos gaúchos.
Estima-se que mais de 8 mil carroças circulem em Porto Alegre. Uma emenda ao projeto prevê o cadastro e identificação dos carroceiros, isto é um paliativo que pretende identificar a demanda por galpões de reciclagem para acomodar os trabalhadores que dependem desta atividade. O projeto prevê que até 2016 seja eliminada totalmente a circulação de carroças.
A Associação dos Carroceiros da Grande Porto Alegre, argumenta que nas ruas com a coleta os ganhos são maiores do que nos galpões de seleção dos resíduos. Hoje nas ruas, um trabalhador chega a tirar R$ 700,00 por mês, nos galpões esta renda pode cair pela metade.
O poder público local pretende construir galpões de seleção dos resíduos, o primeiro será construído numa área pública, e terá capacidade de abrigar 600 carroceiros. Ainda faltam 7.400 trabalhadores.
Existem um série de argumentos contra os trabalhadores carroceiros, que vão desde a defesa dos animais até o trabalho infantil, passando pelo congestionamento no tráfego, além das iniciativas tidas como louváveis, como a organização e melhores condições de trabalho nos galpões.
Mas o fato é que o poder público, diga-se os agentes políticos, pensam e formulam as leis dentro de seus gabinetes, rodeados por “serviçais” e assessores; acreditam entender as demandas sociais, e que com uma “idéia mágica”, uma iniciativa legal, pode reverter as moléstias sociais com alternativas unilaterais.
Está posto: mais espaços para os carros, por uma estética pequeno-burguesa. E a sujeira para baixo do tapete, como se faz no legislativo deste país.
(Agência Chasque/ OngCea, 13/10/2009)