Série de reportagens mostra o desafio de proteger a fauna Criar uma caturrita em casa pode parecer algo comum e inofensivo. É difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido histórias engraçadas sobre as aves que aprendem a chamar o dono, a cantar e até a repetir frases inteiras. O problema é que por mais que o criador seja cheio de boas intenções, ele está cometendo um crime e contribuindo para o terceiro maior mercado ilegal do planeta: o tráfico de animais silvestres.
Segundo o Ibama, esse tipo de comércio clandestino só fica atrás dos tráficos de drogas e de armas. A movimentação chega a US$ 20 bilhões (cerca de R$ 35 bilhões) por ano no mundo, e Santa Maria integra a rota dos criminosos. O chefe do escritório do Ibama em Santa Maria, Tarso Isaia, explica que há dois pontos principais de entrada e saída de animais silvestres do Estado. Uma delas, é a região Noroeste. A outra rota é Uruguaiana, na fronteira com a Argentina.
Apesar de estar um tanto longe dessas regiões, Santa Maria entra no mapa dos traficantes por ser um importante entroncamento rodoviário. No ano passado, o Ibama apreendeu 1,5 mil animais. Este ano, já foram mais de mil só na área de atuação da unidade de Santa Maria, que inclui cem cidades.
– Em 90% dos casos, as vítimas são as aves – ressalta Isaia.
O animal mais cobiçado é o cardeal, que está na lista dos bichos ameaçados de extinção. O responsável pelo Criadouro Conservacionista São Braz – local que abriga os animais apreendidos pelo Ibama –, Santos Brás, explica que a beleza e o canto do pássaro são valorizados:
– Quanto mais bonito é o animal, mais perseguido ele é pelo homem. O cardeal, além de ter uma plumagem belíssima, ainda é bom cantor.
Crueldade – Por se tratar de uma atividade ilegal, o comércio de animais silvestres impõe aos animais condições terríveis. Eles são transportados escondidos, geralmente quase esmagados em malas, mochilas e caixas. A crueldade dos traficantes não tem limites. Durante uma apreensão, foram encontrados três passarinhos dentro de um cano com menos de 15 centímetros de comprimento e com apenas cinco centímetros de diâmetro.
– Na maioria das vezes, as asas são atadas com fita adesiva para que as aves não se debatam e, assim, ocupem menos espaço – diz Isaia.
Uma das apreensões mais dramáticas ocorreu há cerca de cinco anos. Na rodoviária de Santa Maria, foram apreendidos 12 flamingos, que estavam no bagageiro de um ônibus. Os animais estavam divididos em três sacolas e dentro de meias de nylon.
– Por causa da viagem de mais de 14 horas, em que ficaram sem se movimentar, eles não conseguiam ficar em pé, depois de libertados das meias. Tivemos de fazer massagens até normalizar a circulação sanguínea – lembra Santos Brás, que hoje cuida dos animais, que foram capturados na Argentina e seriam vendidos em São Paulo.
A consequência desse transporte cruel não é difícil de imaginar: de cada 10 animais capturados nessas condições, nove morrem. O Ibama faz operações, em parceria com a Brigada Militar e as polícias rodoviárias, para tentar impedir essa prática, mas a ajuda da população é fundamental. É por meio de denúncias que cerca de 50% das apreensões são feitas.
(Por Juliana Motta, Diário de Santa Maria, 13/10/2009)