Líder sem-terra discorda de presidente, que considerou "vandalismo" a ação do movimento que destruiu laranjal em Iaras (SP). Economista e líder sem-terra afirma que pedido de abertura de CPI por parte de congressistas da oposição tem motivação eleitoral
João Pedro Stedile, 55, da direção nacional do MST, afirma que o movimento não perdeu o foco, que condena todo o tipo de "vandalismo" e que o presidente Lula está "mal informado", numa referência à declaração do petista na qual chamou exatamente de "vandalismo" a ação do movimento numa área de plantação de laranja no interior de São Paulo. Em entrevista à Folha Stedile minimiza a derrubada dos pés de laranja na área da Cutrale, pois, segundo ele, a produção seria destinada à exportação, e não para a mesa dos brasileiros.
Folha de S. Paulo - Independentemente da situação da propriedade [o Incra diz que está ocupada de forma irregular, o que é negado pela empresa], a ação chama a atenção pela destruição deliberada de alimentos. Foi um erro destruir aqueles pés de laranja?
João Pedro Stedile - O fato de a área ser grilada, confirmado pelo Incra, não é algo secundário. Esse é o fato. Um dos princípios que o MST respeita é a autonomia das famílias de nossa base. A distância, a população pode achar que derrubar pés de laranja foi uma atitude desnecessária. A direita, por meio do serviço de inteligência da PM, soube utilizar [as imagens] contra a reforma agrária, se articulando com emissoras de TV para usá-las insistentemente. Nunca essas emissoras denunciaram a grilagem nem a superexploração que a Cutrale impõe aos agricultores.
Ao destruir alimentos, o MST não teme perder o apoio das camadas mais pobres da população, como das 12 milhões de famílias que dependem do Bolsa Família para comprar sua própria comida?
Stedile - Cerca de 98% da produção de suco no pais é exportada. Esse suco não vai para a mesa dos pobres, com ou sem Bolsa Família. Já o nosso modelo para a agricultura brasileira quer assegurar produção de alimentos, a geração de emprego e renda no meio rural. Queremos produzir comida e, inclusive, suco de laranja para chegar à mesa de todo o povo brasileiro. Não para o mercado externo. Mesmo assim, a área de exploração da laranja [no país] diminuiu em 400 mil hectares nesses dez anos, pela exploração que a Cutrale impõe aos agricultores.
O presidente Lula chamou a ação de "vandalismo". O MST ainda o enxerga como aliado?
Stedile - Nós também condenamos o vandalismo. Usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o meio ambiente, também é vandalismo. Nesse caso, o presidente está mal informado, pois as famílias acampadas nos disseram que não roubaram, não depredaram nada. Depois da saída deles e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens de impacto. Propomos que uma comissão independente investigue a verdade.
É correto hoje dizer que a conjuntura nacional, principalmente de estabilidade econômica e de assistência oficial aos pobres do país, é desfavorável ao MST?
Stedile - Os dados do censo [agropecuário] revelam que menos de 15 mil latifundiários são donos de mais de 98 milhões de hectares. A renda média dos assalariados do campo é menor que um salário mínimo. Diante disso, reafirmamos que é fundamental democratizar a propriedade da terra, como manda a Constituição, e mudar o modelo agrícola, para priorizar a produção de alimentos sadios para o mercado interno. Quem acha que a reforma agrária não é necessária está completamente alheio aos problemas e aos interesses do povo.
Essa conjuntura deixa o MST sem foco?
Stedile - Ao contrário. Nunca foram tão necessárias essas mudanças. Bancos e empresas transnacionais controlam a agricultura. E, quando ocupamos uma terra para pressionar a aplicação da reforma agrária, enfrentamos todo esses interesses. O Brasil precisa de um projeto que combata as causas da desigualdade social e garanta o acesso a terra, educação, moradia e saúde a todos, e não apenas a uma minoria.
Algum nome para as eleições de 2010 anima o movimento?
Stedile - O MST preserva sua autonomia. Nossos militantes participam das eleições como qualquer cidadão. Infelizmente, cada vez que chega o período eleitoral, a direita se assanha para enquadrar as candidaturas contra o MST e a reforma agrária. Esse pedido de CPI tem apenas motivação eleitoral. O [deputado Ronaldo] Caiado [líder do DEM na Câmara] confessou que o objetivo da CPI é provar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma [Rousseff], o que é ridículo.
(Por Eduardo Scolese, Folha de S. Paulo, 12/10/2009)