Quando se fala de agricultura no Brasil, as riquezas produzidas no campo não podem ser desconsideradas. Porém também não é possível esquecer os crimes cometidos contra os trabalhadores da terra, verdadeiros responsáveis pelo crescimento cotidiano do segmento.
Entre as muitas dificuldades encontradas pelos homens e mulheres que garantem o sustento no campo, está a exposição a agrotóxicos que causam doenças, muitas vezes, fatais. A falta de proteção adequada e o alto índice do grau de contaminação em alguns produtos químicos são os motivos mais frequentes para que trabalhadores rurais tenham a saúde afetada com sequelas irremediáveis ou mesmo morram com os efeitos nocivos.
Foi essa situação que levou o deputado estadual Simão Pedro (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar pela Reforma Agrária da Assembleia Legislativa e membro da Frente Parlamentar Latino Americana Contra a Fome da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a elaborar um projeto que pretende banir 14 princípios ativos extremamente tóxicos em todo o estado
Formam a lista: abamectina, acefato, carbofurano, cihexatina, endosulfan, forato, fosmete, glifosato, lactofem, metamidofós, paraquate, parationa metílica, tiram e triclorfom. Pela proposta, a proibição passa a valer a partir do dia 1º de janeiro de 2010.
O projeto obriga também as unidades de saúde das redes pública e privada a notificar todos os casos de doenças e óbitos decorrentes da exposição a qualquer tipo de agrotóxico. Hoje, as ocorrências são subnotificadas, mas um levantamento do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) da Fundação Oswaldo Cruz, demonstra a gravidade do problema. Em 2007, último período analisado, foram registrados mais de 5,3 mil casos de intoxicação e 162 mortes causadas por contaminação.
Em entrevista exclusiva concedida à reportagem da Fórum, Simão Pedro explica aspectos da proposta e diz que o lobby da indústria do agronegócio é o maior entrave para a aprovação da matéria.
Fórum – O que motivou o senhor a elaborar o projeto?
Simão Pedro – O que mais motivou foram casos de contaminação por produtos altamente cancerígenos. Pessoas, trabalhadores rurais que enfrentam um cotidiano duro, contaminadas por agrotóxicos como a cihexatina, que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já declarou que é potencial causador de câncer.
O senhor acompanha de perto o trabalho rural. Como vê as condições dos trabalhadores no campo?
Pedro – Difíceis, muitas vezes, precárias. Os salários são baixos, os direitos poucos, o trabalho é excessivo e ainda há riscos enormes de contrair doenças graves. Por todo esse conjunto, o número de suicídios de trabalhadores relacionados com a agricultura tem subido.
E no que consiste seu projeto?
Pedro – Resumidamente, o projeto pede o banimento de 14 princípios ativos – presentes na formulação de mais de 200 agrotóxicos – para que não sejam mais utilizados no estado de São Paulo.
E com que base chegou-se ao número?
Pedro – Bem, foi fruto de um esforço conjunto, a base reuniu estudos da Anvisa, consultas ao Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) a pesquisadores independentes e de universidades.
O senhor falou no Idec. O projeto também abarca preocupações com o consumidor?
Pedro – Sim. É uma questão de saúde pública. Além do trabalhador rural, o consumidor final, com a comida que vai para o prato no cotidiano, também é afetado pelo uso de produtos tóxicos na agricultura.
A algum impedimento legal, em âmbito federal, que possa barrar o projeto na Assembleia?
Pedro – Não. A Constituição legitima a ação da Assembleia
Mas há dificuldades em aprovar a proposta, embora ela trate de uma questão de saúde pública?
Pedro – Há. O Brasil ainda investe muito em agrotóxicos. Enquanto outros países baniram princípios ativos do tipo, nós continuamos permitindo a utilização. Então, ocorre que as empresas que não podem comercializar os produtos no exterior vêm para cá.
A agroindústria é poderosa economicamente. O senhor sofre pressões?
Pedro – Não diretamente. Mas pessoas ligadas ao agronegócio contataram meu gabinete pedindo informações sobre o projeto.
O senhor tem receios?
Pedro – A preocupação que tenho é do poder de lobby da indústria junto ao estado.
O senhor tem informações de que isso ocorreu em relação ao seu projeto?
Pedro – Não tenho como dizer de quem ou para quem, mas sabemos que o lobby é constante. Mas estamos preparados para enfrentá-lo.
Como fazer esse enfrentamento?
Pedro – Com convocações, mobilização e pressão popular. Não tem outro jeito, as pessoas precisam gritar, se movimentar para denunciar o que acontece.
Como responder aos argumentos da indústria de que com o banimento dos princípios haverá queda na produção agrícola?
Pedro – O estado de São Paulo tem três universidades de ponta, 18 institutos de pesquisa renomados na área, por exemplo, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) que é centenário. Com essa estrutura, a possibilidade de criar alternativas para a produção é inegável.
E, neste momento, qual a situação do projeto na Assembleia? Como os outros deputados recebem a ideia?
Pedro – A proposta é bem recebida pela maioria. Agora, tem que passar por várias comissões. No total, as Comissões de Constituição e Justiça, de Saúde, Agricultura e Finanças têm que emitir pareceres.
Se as comissões forem favoráveis, em quanto tempo o projeto pode ser regulamentado? E o governador José Serra? O que o senhor espera dele no tratamento do tema?
Pedro – Bem, entre os pareceres das comissões e a aprovação na Assembleia, o projeto deve caminhar até o final do ano e depois tem que passar pelo governador. Eu espero que ele seja sensível à urgência do tema.
(Por Moriti Neto, Fórum, 07/10/2009)