Relatório produzido por grupo de 40 pesquisadores ligados a centros como USP, Unicamp, ITA, Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e UFPA (Universidade Federal do Pará) identificou falhas graves nos estudos de impacto ambiental para a construção da megausina de Belo Monte (PA). O conjunto de pareceres analisou ponto a ponto o que foi entregue para o governo federal.
Eles foram protocolados no Ibama e serão, segundo o órgão, rigorosamente analisados antes da decisão de dar ou não a licença prévia para a obra. O quadro que as análises do painel de especialistas pintam é de morte e extinção de animais e plantas, perda de recursos hídricos, caos causado pela migração de dezenas de milhares de pessoas e prejuízo à cultura indígena -um "desastre anunciado", diz o texto. Sentencia que, sob a ótica dele, o projeto é inviável economicamente.
Em diversos aspectos, dizem, o EIA-Rima (estudos de impacto ambiental), produzido a pedido de empreiteiras interessadas no negócio, não toca nos problemas ou tenta escondê-los. Além disso, por vezes passa por cima da metodologia científica. O objetivo é conseguir construir a usina a qualquer custo, afirmam. Os estudos do ictiólogo Geraldo Mendes dos Santos, do Inpa, por exemplo, indicam que a construção da usina secará partes da bacia do Xingu, trazendo consequências diretas para a biodiversidade local.
"Por certo, o conjunto das espécies que vivem nesse trecho do rio não sobreviverá sob um regime de vazão imposto por decreto ou norma administrativa, venham estes do governo, das empresas ou mesmo da ciência." E, para ele, as medidas propostas pelos possíveis empreendedores para mitigar o problema são insuficientes.
Outro ponto falho dos estudos, afirmam os especialistas, é a maneira como foram calculados os impactos na população e na economia da região. Segundo Sônia Magalhães, antropóloga da UFPA, erros metodológicos fizeram com que o número de pessoas afetadas de maneira direta pela hidrelétrica fosse subdimensionado. Em vez de cerca de ao menos 2.822 impactadas, diz ela, este número seria o dobro.
O relatório também faz referências a "ausência de referencial bibliográfico", "correlações que induzem ao erro" e "classificação assistemática de espécies, com riscos para o conhecimento e a preservação da biodiversidade local". Outro problema apontado, já conhecido: Belo Monte deve gerar muito menos energia do que os 11,2 mil MW de potência instalada, durante cerca de quatro meses por ano, quando as águas do rio estão baixas.
Só esse fator, diz Francisco Hernandez, engenheiro eletricista da USP, já põe em questão o sentido de uma obra tão grande -a hidrelétrica deve ser a terceira maior do mundo. Feitos de maneira voluntária, os estudos tiveram apoio logístico de cerca de R$ 60 mil, vindos de ONGs como WWF Brasil e International Rivers.
(Por João Carlos Magalhães, Folha de S. Paulo, 10/10/2009)